
Que lugar é esse: Favela da Galinha
Texto por Christóvão Carvalho
Entrevistas: Ana Cristina da Silva, Carolina Vaz e Christóvão Carvalho
Foto de capa: Ana Cristina da Silva
Quando tudo era literalmente mato, havia a criação de porcos e galinhas em um descampado. Ali também havia uma ciclovia aos fundos de boa parte da extensa Rua Tancredo Neves. Mas esse foi só um pedaço da história do local que é mais um protagonista da série de favelas dentro das favelas da Maré, trazidas pelo jornal O Cidadão. Nessa missão, a equipe apura histórias de lugares que ganharam nomes conhecidos e referenciados entre os moradores. Dessa vez, conheçam a Favela da Galinha.
A geografia
Favela da Galinha é um território localizado no interior da Nova Holanda, próxima aos pátios da Comlurb e da Águas do Rio. Numa outra ponta, há a fronteira com o Tijolinho. Inclusive, a equipe do jornal já esteve pelo Tijolinho. E você pode conferir nossa matéria clicando aqui. Veja também o nosso conteúdo em vídeo por aqui.
Em outro ponto, há acessos diretos à Rua Tancredo Neves. Nos fundos, encontra-se um extenso campus de escolas públicas, mas que não pode ser acessado pela Favela da Galinha, pois um muro erguido delimita os espaços.

A Associação de Moradores da Nova Holanda (AMNH) realizou um mapeamento, e contabilizou 3 becos e 2 travessas. Em entrevista para o jornal, o presidente da AMNH, Gilmar Rodrigues Gomes Junior (44), explica que entrou com um pedido de registro oficial dos nomes, mas que está há dois anos sem a resposta do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), órgão que poderia viabilizar a ação: “Tem até um mapa. A gente chegou até a colocar umas plaquinhas lá. Mas estamos esperando o pessoal do IPP… eu botei foi uns cinco ou seis nomes”.

Os nomes foram criados pelo próprio presidente que está há 6 anos no cargo. Assim ficou:
– Travessa Tancredo Neves;
– Largo Travessa Vitória da Nova Holanda;
– Beco da Juventude;
– Beco Juraci Xavier;
– e Beco São Sebastião.
Os primeiros moradores
A história de origem da Favela da Galinha está inserida no contexto da história de toda a Nova Holanda que, na década de 60, passou a ser residida por famílias removidas de outros lugares do Rio de Janeiro, como a Praia do Pinto. Confira a reportagem sobre esse processo de remoção acessando aqui.
Assim foi com o pai de Juninho e ex-presidente da Associação: Gilmar Rodrigues Gomes (67). Ele conta que nasceu na Favela do Esqueleto e chegou à Nova Holanda após sua comunidade passar pelo processo de remoção.
Na época, o território na Maré foi destino provisório de pessoas vindas de outras favelas. A ideia do governo era realocá-las novamente, o que não aconteceu, segundo Sr. Gilmar: “Acabou que esse provisório ficou definitivo. Nós ganhamos título de propriedade definitiva do governo. Então, ficou nosso em definitivo. Um terreno para nós. Não foi invasão. Não foi posse. Foi um terreno que o governo deu pra nós mesmo. Definitivo”.

Na mesma entrevista, Maria Tereza Rufino (75) acompanha as falas de Gilmar. A moradora da Rua Tancredo Neves, em frente à Favela da Galinha, está na Maré há 60 anos. Ela preferiu não ter sua foto na matéria, mas conta como eram as casas da época: “Eu comprei a casa ali, né? E vim morar aqui, há muitos anos, era barraco de madeira. Era tudo torto…”
E Gilmar complementa: “Aqui não tinha alvenaria, era tudo madeira. Tinha dois andares de madeira… era barraco mesmo. Onde nós estamos agora, aqui… eu pescava aqui. Isso aqui era maré. Eu pescava aqui, entendeu? Lá na ponta tinha fruta, tinha pé de fruta, aqui era maré”.
A ciclovia, a criação de animais e a origem do nome
Um dia, esse pedaço da Maré foi predominantemente mato. As características reveladas no começo dessa matéria dão tom ao cenário da época. Moradores com mais de 10 anos na favela provavelmente se lembram da criação de porcos e galinhas existindo por ali.
Outra característica marcante dessa época era a presença de uma ciclovia que existia entre a Rua Tancredo Neves e a Linha Vermelha. O caminho de terra possuía curvas e um trajeto de ida e volta, ligando a Vila Olímpica Seu Amaro ao espaço que hoje é a Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva. Sem dúvidas, era um enorme campo de terra e mato.
Sobre o nome da Favela, a versão mais popular faz alusão a criação de galinhas. Moradores mais recentes da comunidade podem pensar como Raiza Maia (24), que vive ali há sete anos, e conta: “Quando eu vim morar aqui, já era esse nome. Mas dizem que é porque aqui tinha muita galinha. Aqui atrás tinha um galinheiro, essas coisas”.
Dona Tereza reivindica a autoria do nome. Em tom descontraído, ela explica: “Eu pus Favela da Galinha por causa da bagunça, da briga… aí tudo… aí eu de lá disse ‘caramba, isso aqui parece uma favela da galinha, tá parecendo um galinheiro aí’, quase ninguém sabe, mas fui eu!”.
Perguntada se as pessoas associam o nome com o lugar, Dona Tereza confirma: “Todo mundo que vem na rua pergunta: ‘Onde é a favela da Galinha?’ e eu: ‘ó!!”, apontando para o local. Ela e Gilmar também relataram que em dado momento, coexistindo com a ciclovia, havia uma pracinha com brinquedos. A iniciativa fazia parte da própria Vila Olímpica, adicionada pela prefeitura. Posteriormente, as atividades do espaço foram descontinuadas.
Jogos Olímpicos Rio 2016
Em 2015, mudanças mais expressivas começaram a acontecer no desenho do lugar.
Incluído no projeto de obras para o Rio de Janeiro sediar os Jogos Olímpicos de 2016, o conjunto de favelas da Maré recebeu a construção de novas escolas municipais, justamente no lugar do descampado citado anteriormente.
Entretanto, a delimitação das obras para a construção de Escolas do Amanhã não incluiu o pedaço da Favela da Galinha. Assim, as obras aconteceram, e um muro foi construído para separar as residências da área escolar.
Ao todo, seis escolas foram inauguradas aos fundos da Favela da Galinha:
– Escola Municipal Erpídio Cabral de Souza
– Escola Municipal Genival Pereira de Albuquerque
– Escola Municipal Lino Martins da Silva
– Escola Municipal Nova Holanda
– Escola Municipal Olimpíadas Rio 2016
– Escola Municipal Osmar Paiva Camelo Com isso, a ciclovia sumiu do mapa.
O espaço utilizado para lazer dos moradores de todas as idades passou a servir como campus educacional para crianças e adolescentes.

Elaíne Cristina de Jesus Vieira (46) mora há 21 anos na comunidade, sendo 9 destes na Favela da Galinha. Ela é mãe e reconhece os benefícios das escolas. Mas lamenta o fim da ciclovia: “Nada contra as escolas novas, mas acho que a ciclovia era um local a mais pras pessoas se divertirem. Tipo, as crianças tinham liberdade pra andar de bicicleta… ter um lugar pras famílias ficarem um pouco mais à vontade”.
Por outro lado, Raiza festeja as oportunidades de aprendizado para seus quatro filhos. A antiga moradora do Parque das Missões (Duque de Caxias) compara com a realidade dos moradores de onde veio: “Lá, até vaga de escola não tem. Lá é sorteio. Se teu filho não for sorteado, teu filho fica sem estudar. Já aqui, não. Aqui eu já consegui botar eles na escola com um aninho. Minha filha já tem cinco, já vai pro primeiro ano, entendeu? Ano que vem”.
Novas moradias, nova realidade
Do outro lado do muro, um espaço ficou vago. Os últimos resquícios de ciclovia acabaram não sendo aproveitados pela prefeitura. Naturalmente, o terreno se tornou responsabilidade da AMNH.
O presidente, por sua vez, conta que realizou uma ação de doação de terrenos para pessoas da comunidade saírem do aluguel: “A gente vai analisando as opções. Foi batendo à porta… via a situação da pessoa e pensava: ‘não, realmente…’, e foi onde a gente bateu no coração e pensou: é, essa pessoa merece esse terreninho aí”.
Para abrigar mais famílias, os projetos dos terrenos foram desenhados para receber andares, sendo cada andar uma moradia diferente.
Elaíne e Raiza fazem parte das famílias contempladas, residindo no Beco Bela Nova e na Travessa Tancredo Neves, respectivamente.
Além disso, as duas mães também possuem rotinas parecidas: acordam cedo, levam e trazem as crianças da escola e cuidam da casa. Em meio ao dia a dia agitado, enxergam benefícios de morarem ali.
Raiza costuma matricular seus filhos em projetos próximos de casa. Um de seus filhos faz aulas de futebol. Uma outra filha conheceu a capoeira recentemente: “Ela gosta! Eu falei até que vou arrumar uma vaga pra ela quando ela fizer seis anos, agora, em junho. Eu acho que cinco anos não tem vaga. É a partir de seis. Queria botar ela na natação, mas não tinha mais vaga…”
Porém, a moradora da Travessa Tancredo Neves reclama do mau cheiro vindo do pátio da Comlurb, que é bem próximo de sua casa: “O que incomoda mesmo é a lixeira… O cheiro… quando chove, o cheiro sobe mais”.
No caso da moradora da Rua Bela Nova, ela e um de seus filhos já frequentaram um projeto social. Além disso, por morar um pouco mais distante da Comlurb, Elaíne afirma não passar por esse problema: “Se você quiser subir na minha casa, pode ir lá. Não tem cheiro nenhum. Normal”.

Crescimento demográfico
Ao andar por ali, podemos observar prédios de até seis andares. Alguns em processo de expansão. Mesmo que todo o espaço da Favela da Galinha seja uma pequena fração de toda a Maré, o constante crescimento demográfico pode significar também um aumento populacional. Alguns poucos comércios também podem ser observados.
Gilmar, ex-presidente da associação, supõe que o lugar possua cerca de mil pessoas atualmente, e entende que ainda há moradores buscando um espaço para sair do aluguel: “Qualquer espacinho que vai tendo, a pessoa vai fazendo, vai fazendo… vai subindo. Porque a favela não cresce pro lado, ela cresce pra cima. Entendeu?”

Atualmente, não se sabe de nenhum lugar que tenha criação de galinhas. O animal que deu nome à Favela ficou na lembrança dos antigos e no “boca a boca” dos novos moradores.
Outrora um espaço vazio, fazendo parte de um campo aberto de mato, havia porcos e galinhas próximos a casas originalmente improvisadas às margens da Rua Tancredo Neves. O tempo e a ação da prefeitura e dos moradores transformaram o cenário em algo além. De ruas calmas e, ainda assim, vivas. Suas construções são onde as pessoas podem chamar de lar. Cercado de escolas, projetos e espaços acessíveis para todos. Histórias ecoam e reverberam, como as que acabamos de contar. O lugar mudou com o tempo. Mas não importa o tempo, sempre será chamado assim esse lugar: Favela da Galinha.