Seminário da Fiocruz aborda a importância do museu no âmbito social
Por Ana Cristina da Silva
No dia 22 de setembro, Cláudia Rose Ribeiro, diretora do Museu da Maré, participou do seminário “50 anos da Mesa de Santiago: o museu integral e seu papel social”, promovido pela Casa de Oswaldo Cruz. Figuras como João Pacheco de Oliveira e Tony Willian Boita, representantes do Museu Nacional e da Revista Memórias LGBT+, também estavam presentes para debater sobre o marco histórico que foi a mesa-redonda de Santiago do Chile em 1972 e refletir como isso influenciou em ações museais na América Latina, especialmente no Brasil. Com mediação de Rafael Zamorano, os palestrantes convidados relataram suas experiências no ramo da museologia e discutiram a importância do museu como ferramenta social no país.
O Museu Nacional
Dando início à mesa “novos museus, novos atores e novas abordagens”, o antropólogo e professor do Museu Nacional, João Pacheco, começou analisando alguns pontos descritos no documento da Mesa de Santiago que, dentre outras coisas, falava sobre a inserção da educação dentro dos museus. Para ele era impossível não lembrar de Roquette-Pinto, que em 1927 criou o Serviço de Assistência ao Ensino de História Natural, hoje conhecido pela sigla SAE, no Museu Nacional. De acordo com João, antes de seguir para o rádio, o antropólogo ainda contribuiu muito com o acervo do museu. “A figura do Roquette-Pinto é muito emblemática para pensar isso, porque ele foi o primeiro pesquisador do museu. Ele fez uma pesquisa de campo notável, lá na área de Rondônia, com vários povos indígenas daquela região. Ele formou a maior coleção já feita por um brasileiro dentro desse quadro”.
O Museu Nacional contava com diferentes exposições, entre elas, no Setor de Etnologia e Etnografia, onde se encontravam peças da cultura indígena. E como grande referência, João Pacheco cita Darcy Ribeiro, fundador do Museu do Índio. Afinal, a proposta de Darcy era valorizar e defender a população indígena dos tantos preconceitos encontrados no país. “Eu acho que são referências interessantes para nós recuperarmos um pouco das nossas tradições”, alegou João Pacheco. No entanto, com a tragédia de 2018, muito do acervo do Museu Nacional foi perdido no incêndio e, para além do processo de reconstrução estrutural, João informa que eles também se encontram em um processo de se reinventar. “Foi uma tragédia terrível, mas essa tragédia, como geralmente ocorre em grandes ondas de destruição, traz consigo dialeticamente um outro oposto, e nós começamos a conceber um novo museu”.
A museologia LGBT
Seguindo com a programação do evento, o museólogo e mestre em antropologia social, Tony Willian Boita, foi o segundo a se apresentar. Tendo coordenado o projeto Memórias LGBT+, Boita refletiu sobre a recepção de gays, lésbicas e pessoas trans em espaços como os museus. “Demorou cerca de 50 anos paras as palavras diversidade, inclusão e comunidade entrarem na definição de museu, no conselho nacional do ICOM. Será que temos um problema ou as comunidades não normativas precisam produzir o seu próprio conhecimento?”, questionou o museólogo. Para ele, refletir sobre isso é extremamente necessário. Afinal, questões como essas estão diretamente ligadas a exclusão e invisibilidade de toda uma comunidade.
De acordo com Tony Boita, a museologia LGBT pode ser entendida de muitas formas, pois abraça a diversidade. “É uma museologia preocupada com o coletivo, com o nós, com o comunitário e com o colaborativo. Uma intersecção entre gênero, raça e classe. Com políticas públicas e direitos fundamentais. Ela é popular e valoriza as performances, os vocabulários, todas as interfaces e as camadas. E é óbvio que se opõem a esse padrão museal que nós temos ainda vigorando em todos os museus, ou na maioria deles”, explica. Como um dos colaboradores da Rede LGBT de Memória e Muselogia Social, fundada em 2012, Boita apresentou alguns resultados do trabalho de cartografia feito por eles. Ele chama a atenção para o quantitativo. Afinal, em todo o globo, foram encontradas apenas 122 iniciativas voltadas para o reconhecimento e memória da comunidade LGBT, onde grande parte delas se dedica a homossexualidade masculina, fazendo com que temáticas lésbicas e transexuais sejam dificilmente abordadas.
O Museu da Maré
Encerrando a mesa do dia 22, a diretora do Museu da Maré, Cláudia Rose Ribeiro, começou sua apresentação ao retratar a falta de identificação da população periférica com os museus. Afinal, eles eram vistos apenas como um local de entretenimento. “Isso era muito pouco diante da grandiosidade dessa instituição que é o museu, mas até então isso não batia em mim, isso não era algo da minha realidade, e não era também da realidade de quem criou o Museu da Maré”. Para ela, hoje em dia a imagem do museu, dentro da Maré, está associada fortemente à militância, onde a vontade de se ter um museu dentro do território surgiu do desejo da população em transformar a realidade.
A criação do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), a atuação da TV Maré e a criação da Rede Memória foram essenciais para o surgimento do Museu, que é formado através da vivência de moradoras e moradores que contribuíram com relatos e objetos pessoais, hoje dispostos em uma exposição permanente. “A gente criou o museu, que foi inaugurado em 2006, muito nesse processo de interação de pessoas de diferentes lugares, pessoas de diferentes conhecimentos, mas sempre pensando museu como uma prática política, de luta e intervenção social de mudança da realidade”, explica Cláudia. Para além das exposições, o espaço se dedica à educação e cultura com diferentes oficinas, mas também destaca a importância da pesquisa com o Arquivo Dona Orosina Vieira, aberto para ao público na intenção de preservar a história da Maré e garantir que ser favelado seja motivo de orgulho e não de vergonha ao trazer, dentre muitas coisas, documentos que comprovam o protagonismo dos moradores da Maré.
Sua exposição de longa duração “Maré em 12 Tempos”, utiliza os objetos doados por antigos moradores do território, que ajudam a construir uma narrativa do cotidiano. “São 12 temas relativos à realidade da Maré, mas que dialogam com pessoas de diferentes lugares, diferentes realidades. Como, por exemplo, a casa, a casa não é um tema que diga respeito só a maré. A água, migração, criança, medo, futuro, fé são os temas. Então a gente conta a história da Maré a partir de temas, sempre pensando no que tem a ver o passado com o presente e quais as perspectivas de futuro”, explica Cláudia Rose. No entanto, o espaço ainda conta com exposições temporárias, viabilizadas através de diferentes parcerias. “A gente tá com uma exposição temporária em parceria com a Casa da Ciência da UFRJ, que é a exposição sobre Alzheimer, onde a gente tá criando oficinas muito legais para trabalhar com as escolas”.
A Mesa Redonda de Santiago do Chile
A realização da Mesa Redonda de Santiago, em 1972, refletiu demandas e condições sociopolíticas de seu tempo e os princípios e práticas estabelecidos por ela foram um divisor de águas, passando a orientar políticas públicas, experiências institucionais e de formação profissional dos museus latino-americanos. Exatamente cinco décadas depois, o seminário da Casa de Oswaldo Cruz também marca o protagonismo da América Latina no campo dos museus, promovendo reflexões sobre ações museais voltadas para a realidade regional, aliando a perspectiva histórica à avaliação de desdobramentos mais contemporâneos do evento de Santiago.