Maré Vive: a página que informa e valoriza a favela

Utilidade pública

Página de Facebook sobre o bairro é mantida por moradores de várias favelas

Quem é internauta na Maré já conhece: a página Maré Vive, no Facebook, é atualizada diariamente trazendo informações e opiniões sobre o que acontece no bairro. A página é colaborativa, mantida por moradores de diversas favelas. Eles relatam onde há tiroteio, manifestam-se contra ações violentas na favela, trazem a verdade sobre o que a grande mídia fala do bairro e também resgatam a memória da Maré. Compartilham informações e vídeos diretamente de moradores e divulgam eventos interessantes para a população.

A Maré Vive trabalha com o desejo de valorizar as favelas, a cultura local, indo contra a tentativa de outros veículos de imprensa de sempre desvalorizar a periferia. Por isso, costumam também compartilhar informações de outras favelas, não somente da Maré.

Em pouco tempo, conquistaram a confiança dos moradores e de outras mídias. Já têm mais de 30 mil curtidas, e toda semana mais 200 pessoas curtem, aproximadamente. Confira a entrevista que realizamos via Facebook com administradores da página:

O Cidadão: Desde quando a página existe?

Maré Vive: Desde o primeiro dia da invasão militar. A proposta inicial era a de observar a ação dos militares de forma colaborativa e independente, só que depois de um tempo a dinâmica foi mudando até o que somos hoje. Uma espécie de revista eletrônica da favela. Com informações em tempo real de tiroteios e outros eventos que rolam na comunidade.

O.C.: De onde vêm as denúncias das postagens? Os moradores mandam por mensagem?

M.V.: Depende da ocasião. As pessoas colaboram, mas a gente também vai atrás da noticia. É muito orgânico, não é nada muito planejado, mas funciona. Somos moradores da comunidade, temos uma rede muito grande. Dai o que vale é a sensibilidade de cada um. “Denúncias” é uma palavra muito forte e não é isso que buscamos na página. A gente trabalha com informação. A gente circula pela favela também. Estamos vivendo o dia a dia, as angústias, aflições, alegrias…

O.C.: Vocês mesmos filmam?

M.V.: As pessoas estão aprendendo a colaborar. Com o tempo estamos amadurecendo a relação e a página é realmente de todos. As pessoas nos enviam informações e a gente vai atrás delas.

O.C.: Qual você diria que é o principal objetivo da página hoje?

M.V.: Dar voz à comunidade, ao povo da favela. E mostrar uma comunidade que pensa, que produz conteúdo, que sabe valorizar a arte e a cultura local, que vai atrás da memória da favela. E fazemos tudo isso por ideologia. Não queremos créditos, muito menos dinheiro. Queremos um mundo melhor. Que a comunicação seja realmente democratizada. Que o pobre tenha vez e voz na TV, no cinema, no rádio. Queremos mostrar a nossa realidade.

O.C. A partir desse papel de porta-voz dos moradores, como o coletivo vê a questão da regulação da mídia/democratização da comunicação?

M.V.: Bom, não temos a pretensão de sermos “a voz dos moradores”, sabemos que temos um ponto de vista e que existem muitos outros e que nenhum deles isoladamente irá representar toda a complexidade da diversidade existente dentro da Maré. Ou seja, acreditamos e incentivamos cada vez mais que as pessoas construam o seu próprio veículo de comunicação. Seja a mídia que você quer ver no mundo. Esse é um dos nossos lema.

A comunicação hoje no Brasil é comandada por cerca de 10 famílias. Rádios, jornais, canais de televisão, cinema… tudo! Como pode? Temos que lutar por esse espaço. Qual é a representação hoje da favela na mídia comercial por exemplo? Sempre somos vistos pelo olhar da caridade, da pena, da falta, nunca pelo lado da potência, do que temos de bom. Já dizia o poeta, a dor do pobre não sai no jornal. Por que será? Vai saber, queremos uma participação efetivamente popular na mídia comercial, por isso defendemos a regulação. Que haja espaço pro nordestino, pro índio, pro negro, pro povo da favela! Agora fazemos o jornal.

O.C.: Por que compartilham posts sobre outras favelas?

M.V.: Porque achamos importante o fortalecimento da comunicação de base comunitária. Em rede somos mais fortes!

O.C.: Para vocês, qual é a diferença entre a violência mostrada na televisão e a violência que vocês noticiam?

M.V.: Programas diários como Cidade Alerta, Balanço Geral, Brasil Urgente, SBT Rio e similares são um desserviço à população da periferia. A violência que eles noticiam é para entreter, não tem um compromisso social e reflexivo com a periferia.

Por que um tiro em Copacabana é mais grave para a mídia comercial do que meses de guerra em Costa Barros? Por que jovens quando são pegos dentro da favela com algumas trouxinhas de qualquer droga são tratados como supertraficantes, têm seu nome e cara estampada nesses jornais enquanto um helicóptero com meia tonelada de pasta da base de cocaína, que foi apreendido dentro da fazenda de um senador, em MG é ignorado? Chamamos isso de crimininalização da pobreza.

A gente dá noticia de dentro da favela, em tempo real, com colaboração dos moradores e geralmente propomos uma reflexão ou um contraponto do que está posto na mídia comercial. A diferença é essa. A gente chega antes. Estamos pautando a velha mídia.

O.C.: Vocês já foram procurados pela mídia empresarial para falar da Maré?

M.V.: Sim, geralmente eles aparecem quando acontece alguma coisa muito grave na comunidade. Fora isso, dificilmente somos procurados pela mídia comercial. Não damos entrevistas e nem indicamos pessoas para contribuir com matérias que criminalizam a pobreza. Como nunca nos procuraram para falar de qualquer outra coisa que não fosse violência, nunca conseguimos indicar ninguém para falar com eles. Contribuímos mesmo com a mídia alternativa, independente e sem rabo preso.

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