Morro do Timbau… de onde vem esse nome? Foi essa pergunta que, lá nos anos 90, o pequeno Renato Cafuzo fez ao seu pai. Ele queria entender por que morava no Morro DO TIMBAU, e descobriu na hora que “Timbau” tinha origem tupi-guarani e significava “entre as águas”, e nessa hora tudo fez sentido. Foi essa memória que levou o Renato, hoje escritor e ilustrador com 36 anos, a escrever um livro infantil em que uma criança questiona o nome de onde mora. Este é o início da história de Morro do Dragão, lançado pelo autor e a equipe da editora Mórula no último sábado (31) no Pontilhão Cultural.
Dragões, magia e estereótipos
Morro do Dragão é uma obra escrita e ilustrada por Renato Cafuzo, mareense e autor, também, de Moleque Piranha, outro livro que tem as crianças como protagonistas. Nesta nova obra, uma menina questiona seu avô sobre o nome desse morro onde moram, e começa a ouvir histórias sobre os diversos dragões existentes no mundo. Dragões que levam água para plantações, dragões que movem marés, dragões que vivem na água… ela aprende, também, que nem todos os povos aprovam os dragões, e que demarcar esses seres mágicos como bons ou ruins, historicamente, dividiu as pessoas.
Dezenas de amigos, moradores e admiradores de Cafuzo adquiriram o livro e levaram para o autógrafo. Foto: Raysa Castro.
Em entrevista, Renato Cafuzo contou que sempre gostou de desenhos japoneses, e muitos deles traziam dragões com atributos positivos, como seres mágicos benéficos. Em contraponto, desenhos ocidentais traziam dragões como monstros. Essa percepção pessoal foi confirmada através da participação, na pesquisa para o texto, do historiador Henrique Caldeira, que levou para Renato as representações de dragões em países como Índia e China, que foram reproduzidas no livro, e levou também o quanto a visão negativa sobre esses seres era, na verdade, uma expressão do preconceito do Ocidente em relação à cultura oriental. Ele conta: “O livro fala um pouco sobre a magia dos dragões como algo muito legal, mas traz o encontro com outros povos que cria uma visão ruim em torno do dragão. Ele faz esse link com a favela, com tanto estereótipo negativo que às vezes a favela é atrelada mas a gente que vive sabe como é aqui”.
Foto: Raysa Castro.
“O Morro do Dragão, para mim, é um pouco dessa conexão entre a magia e a favela”.
Um lançamento para as crianças
Logo no início do evento, as crianças que foram prestigiar e as que já frequentam o Pontilhão puderam conhecer a história do livro através da contação de histórias do Grupo Ujima. A narrativa foi contada, com muita interpretação e interação com as crianças, por Nayla e Adriana Bouhid. Depois, enquanto o autor autografava dezenas de livros, as crianças puderam almoçar e ganharam um kit com balão, uma pipa personalizada e outros itens.
Nayla (à esquerda) e Adriana fizeram a contação de história do livro. Foto: Raysa Castro.
Adesivos, balão e pipa estavam entre os itens que as crianças ganharam. Foto: Raysa Castro.
A decisão por lançar o livro no Pontilhão foi tomada pela conexão tanto da obra, com crianças faveladas como protagonistas, quanto do próprio autor com o local: “Eu amo o Pontilhão, tanto pela vida noturna quanto pela convivência com as crianças daqui. A minha filha faz aula de skate aqui, eu já fui instrutor de skate na escolinha, eu convivo com as crianças daqui. Elas são minha referência”.
Morro do Dragão não foi a primeira obra infantil a ser lançada no Pontilhão – Renato fez o mesmo com Moleque Piranha – mas foi a primeira da editora Mórula, uma editora de livros voltada para conteúdo político e público adulto. O diálogo para a viabilização desta produção começou há cerca de um ano, e a solução foi criar um “selo” dentro da Mórula, um setor da editora voltado para obras infantis, a Morulinha. A produção do livro em si só foi possível pela conquista do Edital Ações Locais – Edição Paulo Gustavo, portanto apoiado por governo federal, Ministério da Cultura, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura.
Crianças do grupo Especiais da Maré e suas mães foram prestigiar o lançamento. Foto: Raysa Castro.
Renato, que havia feito aniversário no dia anterior, também fez questão de destacar, ao abrir o evento, a importância de se fazer uma comemoração após mais de 10 dias de operação policial na favela. E, sobretudo, proporcionar às crianças um momento lúdico, de brincadeira, de liberdade para curtir o sábado de sol após tantos dias presas em casa.
“O povo da favela é feliz justamente por causa das dificuldades, porque se a gente não fizer festa, se a gente não encontrar motivos pra ficar feliz, a gente não vai conseguir enfrentar as dificuldades que aparecem na nossa frente”.