Inacabada: novo espetáculo do Entre Lugares aborda a saúde mental
Texto e foto da capa por Ana Cristina da Silva
De acordo com os dados da OMS, não é de agora que o Brasil ocupa um lugar alarmante entre os países que mais sofrem com depressão e ansiedade. Fatores como a violência, a desigualdade social e a ausência de políticas públicas no país, na grande maioria das vezes, incitam o desenvolvimento de transtornos mentais, como a ansiedade. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 9,3% dos brasileiros sofrem com transtornos de ansiedade, o que equivale a mais de 18 milhões de pessoas. Vivendo e percebendo este cenário, o projeto Entre Lugares Maré, estreou “Inacabada”, o seu 11º espetáculo, no dia 13 de dezembro.
Com o Entre Lugares reformulando mais uma vez o formato de apresentação, Inacabada conta com um elenco de 33 atores e atrizes que transitam pelo primeiro e segundo andar do galpão do Museu da Maré. A história gira em torno de Bianca, uma confeiteira que durante todo o espetáculo tenta finalizar um bolo encomendado por uma de suas clientes, mesmo diante de tantas interrupções durante o processo.
O espetáculo traz 33 atores e atrizes em cena. Foto: Ana Cristina da Silva.
Escrita por Pedro Emanuel, com apoio de Yago Cunha, Inacabada não entrega as respostas de bandeja para o público. A trama se desenrola aos poucos, abordando as nuances da saúde mental da protagonista. Os demais personagens não precisam de um nome para serem identificados, suas falas e ações vão aos poucos entregando, mesmo que de forma subjetiva, quem eles são. No palco, acontecem algumas intervenções de boa parte do elenco com coreografias e algumas músicas, mas é na sutileza dos movimentos, da transição de cores da iluminação e até mesmo das pausas silenciosas que são entregues pequenas pistas do que está acontecendo e o que pode vir a acontecer.
Para a atriz e confeiteira Bianca Barbosa, que já integra o projeto há mais de 10 anos, interpretar esta personagem que, para além do nome, tem tanto em comum com ela, foi um grande desafio no início: “A gente interpretar um personagem que tá próximo da gente, eu acho que é mais difícil, eu me sentia muito que robotizada, sabe? Tipo, caraca, como é que eu vou interpretar eu mesma? É muito louco, né? (…) A gente fica vulnerável, fica com vergonha. Eu fiquei muito com vergonha no começo, eu ficava me prendendo muito. Eu ficava: ‘Não, mas eu não sou assim’. Foi difícil”, conta a artista.
Bianca Barbosa integra o projeto do Entre Lugares há mais de 10 anos. Foto: Ana Cristina da Silva.
De acordo com a atriz, foram poucos os ensaios antes da estreia. Destacando o quão difícil é conciliar a agenda de 33 pessoas, ela ainda informou que apenas um dos ensaios foi realizado com todo o elenco junto: o ensaio do dia 12, um dia antes da primeira apresentação. “Tinha uma galera que tava em outra peça, então a gente não teve ensaio sábado, não teve domingo, não teve segunda, não teve terça. Eu tava na correria também da festa da minha filha e ficava na correria de bolos, de estar aqui. Então assim, foi tudo tão corrido que pra trazer o personagem, assim, pro mais íntimo, eu acho que foi ontem (dia 12) mesmo”. Com uma extensa trajetória no projeto, já fazia um tempo que Bianca integrava a área de produção, a ideia de que ela retornaria aos palcos como protagonista da nova peça veio de surpresa em uma reunião, mas segundo ela, mesmo com os desafios, ela gostou bastante de todo o processo.
Por outro lado, a sensação nostálgica também foi sentida por Yago Cunha, mas de forma diferente da de Bianca. Ele foi um dos tantos alunos que passou pelo Entre Lugares, em 2022 atuou na peça A Lua da Maré e participou do Festival de Cenas Curtas, onde ganhou o prêmio de primeira melhor cena, ao encenar Liberté, de Elísio Lopes Jr, junto da atriz Vanessa Azevedo. Sua participação no projeto atraiu a atenção da produtora Porta dos Fundos, onde hoje ele trabalha como roteirista. “Foi muito louco porque eu quis voltar pra cá (Entre Lugares) pra me resgatar mesmo, porque lá é outra forma de criar, a gente trabalha com uma coisa muito mais comercial, né. E aqui eu acho que é uma simbiose muito maior, acho que eu consigo contar histórias que eu gosto de contar e que é distante do humor também”, diz Yago.
“O Entre Lugares é o lugar que escreveu pra eu ser ator e hoje eu tô aqui escrevendo pra outras pessoas estarem atuando”, diz Yago Cunha. Foto: Ana Cristina da Silva.
Yago queria voltar ao projeto no qual atuou de uma nova forma e buscou pela possibilidade de trabalhar com a dramaturgia. Pedro Emanuel, arte-educador e dramaturgo do projeto, abraçou a ideia e transformou Yago em um assistente de dramaturgia para o 11º espetáculo do Entre Lugares. “O Pedro é um grande escritor e foi um professorzão pra mim, foi uma grande aula tá junto do Pedro nesse processo e do Entre Lugares também, porque é um processo muito colaborativo, né. A gente foi entendendo o que ia ser escrito durante as aulas, durante as experimentações, então isso também foi muito legal, porque eu acho que teve um lugar de resgate ainda maior por conta disso”, finaliza Yago.
Com um total de 6 apresentações, o espetáculo ainda poderá ser assistido no sábado (21) às 20h e no domingo (22) às 19h, no Museu da Maré.
Fotos da galeria: Ana Cristina da Silva.