Kauê Henrique: lutador do Parque União busca recursos para ir a campeonato internacional

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O lutador de apenas 13 anos compõe um grupo de vinte crianças e jovens que vão para campeonato de jiu-jitsu em Dubai

Por Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz

Um morador da Maré de apenas 13 anos vem se destacando no Instagram: Kauê Henrique Gomez Fernandes, morador do Parque União, tem seus vídeos compartilhados várias vezes por dia. Kauê não é influencer, humorista nem tiktoker: é lutador, e aparece no vídeo mostrando que está vendendo balas para arrecadar dinheiro, com o propósito de no final do ano ir competir em Dubai. Essa atividade é feita exclusivamente fora dos horários de escola e de treino, como explicou a mãe, Priscila Gomez da Silva. Ele não é o único nessa busca: são 21 pessoas do projeto que se preparam para essa viagem.

Campeonato Mundial de 2019 na Arena Olímpica de Deodoro. Foto: arquivo pessoal.

Como toda criança de 13 anos, Kauê vai à escola, atualmente o Centro Educacional Silva Florencio (CESF), em Bonsucesso, e está no 8º ano. Ele também faz curso de inglês, mas sua principal atividade além da escola é o jiu-jitsu: desde os sete anos de idade ele treina no Maré Top Team, no próprio Parque União. Hoje, ele é faixa amarela com preta. Em quase sete anos de treino, ele já participou de cerca de 55 competições, das quais conquistou por volta de 50 medalhas, além de três cinturões. Para ele, a medalha mais importante é do Campeonato Mundial de Jiu-Jitsu Olímpico, de 2019. Nos campeonatos, onde a divisão é por idade, ele vence de lutadores mais altos e mais fortes. Com toda essa experiência, ainda de vez em quando Kauê sente um nervosismo antes da luta: “Todo lutador fica nervoso, às vezes dá um ‘troço’ assim, sabe, aqui dentro… Mas isso é normal, todo lutador vai sentir isso, qualquer esporte o atleta vai sentir isso”.

Priscila Gomez da Silva apoia e acompanha seu filho no esporte. Foto: Ana Cristina da Silva.

A mãe conta que escolheu o jiu-jitsu como esporte para o filho gastar a energia que tinha: “Ele era muito agitado quando era pequeno e as professoras dele sempre falavam comigo ‘coloca ele num esporte’ e não era hiperatividade, era energia de criança mesmo”. A princípio, ela achou que o jiu-jitsu o tornaria agressivo, mas disseram a ela que o esporte disciplina a criança, e foi o que aconteceu. Kauê começou treinando em outro projeto, na Ilha do Fundão, e depois de um ano foi para o Maré Top Team, onde permaneceu, principalmente após a motivação do primeiro campeonato em que lutou. Inspirado pelos atletas Denilson Pimenta e Rodolfo Vieira, ele se esforça para treinar todos os dias e ainda conseguir os recursos para fazer duas viagens de campeonato previstas. Para Priscila, o esporte abriu para Kauê a perspectiva de um futuro inesperado: “O jiu-jitsu o alavancou pra um futuro que a gente não esperava, que é o futuro no esporte (…) Ele consegue desde criança ser alguém na vida, fora o fato de ele não estar na rua, isso para mim é ótimo”.

 

Maré Top Team: a maior equipe infantil de jiu-jitsu numa favela

Por trás da história do Kauê está a história da Maré Top Team, projeto de jiu-jitsu responsável pela maior equipe infantil desse esporte numa favela, de todo o Brasil. São 250 crianças, adolescentes e jovens atendidos, apenas no Parque União, pois há outras unidades. O responsável pelo projeto é o treinador Douglas Oliveira Gentil, que deu início ao projeto há cerca de sete anos, após ter se tornado faixa marrom no jiu-jitsu. Ele conta que, quando teve a ideia e escolheu o espaço, tudo era bem precário: “Aqui era um depósito de lixo, daqui saíram 28 caminhões de entulho, então foi muito custo para poder construir isso aqui. Eu decidi: vou fazer um projeto gratuito, qualquer coisa que tiver relacionado a criança, daqui para o futuro, vai ser gratuito. Quando estava começando aqui não tinha luz, não tinha nada, eram 12 placas de tatame. (…) Eu já sabia que nós íamos chegar no patamar que a gente está hoje, mas a galera não sabia”.

Kauê e o professor Douglas Oliveira Gentil. Foto: Ana Cristina da Silva.

Mesmo assim, muitas crianças foram, desenvolveram interesse e ficaram no projeto, e o Kauê é uma das que está desde o início e lá se desenvolveu. Para Douglas, é nítido quando a criança tem o talento e a determinação para o esporte: “O Kauê, o Caio, o Miguel são as crianças mais talentosas que eu tenho, que já têm aquele talento natural, que vê e já pegou a posição. Tem a galera que demora mais… A gente costuma até falar que a persistência supera o talento, quando o talento não quer treinar. Isso é a maior verdade que tem”. Para além de luta, o jiu-jitsu transmite valores, que o treinador considera fundamentais para as crianças. Segundo ele, o jiu-jitsu é “só um pretexto”, porque é utilizado para transmitir valores educacionais como respeito e disciplina. Além disso, ele tenta ofertar às crianças outras oportunidades, como curso de inglês que deve começar em breve, e eles fazem passeios, além das viagens para campeonatos. Para o treinador, tudo isso serve como um estímulo. E, para além do estímulo individual, o maior lema do grupo é “se faz bem para mim tem que fazer bem para o próximo”, que significa: não basta ser o campeão no espaço do Maré Top Team no Parque União se uma criança da mesma idade está, de certa forma, num caminho ruim ou na rua. Com os sete anos de atividade, o Maré Top Team já se expandiu para outras favelas e bairros: Nova Holanda, Brás de Pina, Tubiacanga, Divineia, Complexo do Alemão, Morro do Adeus e Cordovil. Parte dos monitores das outras unidades são os faixas pretas que se formaram no próprio projeto, no P.U. Na sede, o projeto funciona de segunda a sexta, das 10h às 22h, na Associação de Moradores do Parque União: rua Ary Leão, número 33. Atende crianças a partir dos 4 anos de idade.

 

A expectativa para os campeonatos

A equipe se prepara, agora, para dois campeonatos. O primeiro é Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu 2022, em Barueri (SP), nos dias 14 e 15 de maio, e o segundo é o Abu Dhabi World Pro Jiu-Jitsu, na capital dos Emirados Árabes Unidos, Abu Dhabi (também chamada de Dubai), que será em 12 e 13 de novembro. Dos dois, o que se configura como mais difícil para conquistar medalhas é o de São Paulo, pela quantidade de participantes: são quinze mil atletas competindo, então para a categoria do Kauê, por exemplo, ele pode ter dezenas de concorrentes. Na mesma categoria, em Dubai, por ser um campeonato menos acessível, podem ser entre 3 e 4 competidores. No entanto, o fato de ser uma viagem cara expõe esse desafio de arrecadar o montante necessário. É um esforço, em grande parte, individual de cada lutador e lutadora, mas a equipe monitora para dar um jeito de completar com o valor que faltar.

Kauê (quimono branco) sob o olhar de Douglas. Foto: Ana Cristina da Silva.

A expectativa para os campeonatos é grande mas os treinos estão ocorrendo normalmente, pois eles “já estão prontos”, segundo Douglas. Cada participante faz uma hora de treino todo dia, de segunda a sábado. A última viagem internacional foi para os Estados Unidos em 2020, com 4 crianças, que voltaram campeões. “É a nossa maior glória”, afirma Douglas Gentil.

Os dois campeonatos são apenas duas etapas de um caminho que Kauê e outras crianças vêm trilhando. Ele afirma que tem o sonho de ser um lutador profissional, e segundo o treinador ele já tem o nível de profissional, só não tem idade suficiente ainda para usufruir com patrocínios, bolsas em cursos, dentre outras conquistas previsíveis.

A arrecadação da família do Kauê para viabilizar suas viagens está sendo feita não somente pela venda de balas mas também por uma vakinha online e pelo PIX 15546755709, que está em seu nome. Qualquer valor pode ser uma ajuda no caminho do sonho do Kauê, que mostra todo o potencial para ser mais um mareense de dar orgulho no bairro.

 

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