
Nossa Senhora dos Navegantes: igreja na Maré completa 80 anos
Foto de capa: Ana Cristina da Silva
Pesquisa e entrevista: Carolina Vaz e Christóvão Carvalho
Texto por Carolina Vaz
A igreja mais antiga da Maré acaba de completar 80 anos de idade. Foi em 1º de janeiro de 1945 que um decreto do então arcebispo, Dom Jaime de Barros Câmara, oficializou a criação daquela que viria a ser a primeira igreja da Maré, a Igreja Nossa Senhora dos Navegantes. Hoje, está localizada na rua Luiz Ferreira, número 217, mas sua construção como templo levou muitos anos e sua relação com a comunidade foi se estabelecendo aos poucos, seguindo um movimento recíproco de devoção. Quem traz essa história é Antônio Carlos Vieira, mais conhecido como Carlinhos, pesquisador da história da Maré há mais de 30 anos e ex-morador, criado no Morro do Timbau.
Oito décadas atrás, nem Avenida Brasil existia; esta seria inaugurada em 1946. Portanto, a rua onde se localiza a igreja, Rua Luiz Ferreira, pertencia ao bairro de Bonsucesso. Com o grande crescimento do bairro, era grande também o número de fiéis que frequentavam a paróquia Nossa Senhora de Bonsucesso, de modo que a primeira intenção da Igreja católica, ao criar uma segunda paróquia, era exatamente contemplar a população desse lado de Bonsucesso, mais próximo do mar. Do “lado de cá” também estavam se instalando mais e mais moradores, motivados justamente por obras como da Avenida Brasil e da Cidade Universitária da UFRJ. Além disso, a localização da paróquia também é muito próxima de onde aconteciam atividades ligadas ao mar, como a colônia de pescadores, estaleiros no Porto de Inhaúma e a própria Marinha, cuja padroeira é Nossa Senhora dos Navegantes.

“[Inicialmente], não era uma igreja que estava voltada para a favela, para os moradores pobres; era para atender a população que estava no local, principalmente da região do Porto de Inhaúma (…), e também para ser um santuário para a Marinha do Brasil”. – Antônio Carlos, pesquisador da história da Maré
Curiosidade: a devoção a Nossa Senhora dos Navegantes é antiga no Rio de Janeiro, uma vez que o porto da cidade recebia muitas embarcações, e de diversas origens, desde o período colonial. Era hábito dos marinheiros e pescadores, após sobreviver a uma tormenta no mar, levar o mastro e a vela do navio a uma igreja que tivesse a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, para agradecer pela navegação bem-sucedida.
A história da paróquia com a Marinha e os estaleiros está comprovada nas inscrições dos vitrais da igreja, adquiridos com recursos doados por marinheiros, suas famílias e também empresas.

Ergue-se uma igreja
No local onde a paróquia foi instalada, já havia o prédio de uma escola e o terreno foi assim cedido para a construção da igreja, mas este foi um longo processo. A igreja foi criada via decreto do bispo em janeiro, instalada em abril (quando o bispo dá posse ao vigário), e abençoada em agosto. Foi em 15 de agosto de 1945, dia de assunção de Nossa Senhora, que se realizou a procissão com a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes. A imagem, esculpida no Rio Grande do Sul, veio de navio para o Rio e saiu em procissão da Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso para a Navegantes.

O primeiro vigário da igreja foi o padre Francisco Carneiro, e até seu falecimento, em 1954, houve grande avanço nas obras da igreja. Foi quando a população, que vinha se estabelecendo onde hoje chamamos de Morro do Timbau, Baixa do Sapateiro e Parque Maré, começou a se mobilizar em prol da igreja, como relata o próprio Antônio Carlos: “A minha mãe, quando era pré-adolescente, andava com uma cestinha na mão, uniformizada, pedindo dinheiro para a obra da igreja”.
Na segunda e terceira décadas de existência da paróquia, quando esta já tinha mais frequentadores e era a única da região, foi quando a relação entre igreja e comunidade se fortaleceu. Embora a Navegantes tenha sido criada como um santuário mais propício a marinheiros e pescadores, aos poucos seu “público” foi se formando de outro modo. É preciso lembrar que, nesta época, era grande a negligência do Estado com os moradores de favelas, e sequer havia a Constituição Federal que hoje garante direitos como saúde e educação. Portanto partia da igreja toda ação social que atendia Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau e Parque Maré, como ambulatórios e outros serviços sociais, tendo também uma escola. Até hoje há frequentadores que relatam ter estudado no terreno da igreja. Os moradores também receberam o apoio da comunidade católica da igreja quando resistiram contra a remoção de casas do Morro do Timbau e Baixa do Sapateiro, assim como a igreja pressionou políticos para a chegada de água no Parque Maré.

“Com o tempo, ela foi se tornando cada vez mais uma igreja paroquial, que atendia principalmente os moradores das favelas aqui da Maré. Ela se tornou o templo católico onde as pessoas casavam, batizavam os filhos, faziam primeira comunhão, onde tinha festa”, relata Carlinhos. Nas décadas seguintes, outras capelas começaram a ser instaladas ao redor, absorvendo parte dos fiéis da Navegantes.
Outro destaque na estética da igreja, além dos vitrais, é a existência dos afrescos. No ano de 2015, a paróquia recebeu a pintura de afrescos, totalizando 3 pinturas diferentes. Foram realizados por alunos do curso “A Arte e a Técnica do Afresco”, da Casa de Oswalco Cruz (COC/Fiocruz). O maior, ao redor do altar, se chama “os pescadores do Evangelho”, e tem a autoria de Rafael Bteshe.

Gestão dos palotinos e parceria comunitária
Outro detalhe importante é a “gestão” da igreja. Ela nasceu como uma paróquia ligada à Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, e num certo momento foi cedida para a sociedade Joseleitos de Cristo e, mais tarde, para a Sociedade do Apostolado Católico. Os padres desta sociedade são os palotinos, e pertencem a esta ordem religiosa de origem polonesa fundada por Vincent Pallotti. Desde o primeiro padre palotino eles se sucederam na Navegantes, sendo o atual o padre Adenilson Gomes. A Navegantes não ficou de fora de uma intensa movimentação de jovens, engajados inclusive politicamente, nas décadas de 1980 e 1990, reunidos como Jovens da Navegantes (JONAV). Alguns deles estavam entre as pessoas que, em agosto de 1997, fundariam o CEASM, e esta foi uma parceria fundamental para a instituição.
O fato é que o CEASM chegou ao ano de 1998 com um grande número de jovens inscritos para seu pré-vestibular, sem ter as salas prontas para as aulas. Assim, no início do referido ano, o CPV iniciou suas atividades em duas salas da Navegantes, já com todo o mobiliário necessário, contemplando cerca de 140 estudantes. Com as aulas acontecendo em outro espaço, foi possível finalizar as obras da ONG e a turma migrou para a Praça dos Caetés por volta de agosto. É onde o CPV acontece até hoje.

Uma igreja integrada à comunidade
Oito décadas depois do início desta história, quem hoje comanda a primeira paróquia da Maré é o Padre Adenilson Gomes, de 46 anos, natural do município de Itaperuna no norte do estado. Prestes a completar quatro anos na função, ele conta ter enfrentado no início dois desafios: o de ser pároco pela primeira vez, pois como vigário anteriormente tinha menos responsabilidades, e o de executar as ações da igreja no meio da pandemia. Em 2021, a Navegantes tentava reunir um número reduzido de fiéis na missa, e havia suspendido outras ações como a catequese. Com o relaxamento das medidas de distanciamento, em 2022, aos poucos as atividades da igreja foram retornando.

Sobre a primeira experiência como pároco, ele comenta que um de seus desafios é gerenciar toda a responsabilidade, tanto de dizer sim quanto de dizer não, e lidar com as reações a esse “não”. Ele também acredita que é preciso ter mais espiritualidade, para entender que nem sempre tudo acontece como se gostaria, e ainda estar disponível para gerenciar as situações. Outro ponto de seu trabalho que ele destaca é o quanto a experiência na Maré mudou sua visão sobre a favela. Apesar de já ter vindo à Navegantes diversas vezes antes, na hora de morar de fato na comunidade bateu “um calafrio”, devido às frequentes notícias de operação policial que são veiculadas. Vivendo na Maré sua visão mudou:
“Quando você está dentro da comunidade você percebe a riqueza que tem aqui… porque não é só violência, tem muitas coisas boas, em termos de lazer, restaurantes, e as pessoas que são os melhores bens da comunidade”. – Padre Adenilson Gomes, pároco da Navegantes
Desde que ele chegou, algumas mudanças estruturais já foram feitas na igreja: reforma da cantina; instalação de placas de energia fotovoltaica; construção de uma sala de reunião; e mudanças na entrada da igreja para melhorar a estética e a mobilidade. Também foram retirados um telhado de zinco que impedia a entrada de luz pelos vitrais e uma cobertura na porta da igreja.
Público de fiéis da Navegantes
Segundo o padre Adenilson, a igreja reúne um grande número de fiéis de todas as idades, tanto nas atividades de rotina quanto na missa. Os frequentadores das missas, em sua maioria, são moradores da Maré, mas também vêm pessoas de outros bairros. Já entre os colaboradores da paróquia, há muitos que são da maré, mas foram morar em bairros próximos, mantendo a vida litúrgica na Navegantes. Hoje a paróquia tem cerca de 10 catequistas; 19 ministros de eucaristia; 40 coroinhas; além dos coordenadores de grupos.

Alguns dos grupos atuantes no local são a Aliança de Casais com Cristo; Apostolado da Oração; Encontro de Adolescentes com Cristo (EAC); e o próprio JONAV, este com jovens entre 16 e 22 anos de idade aproximadamente. Alguns dos grupos realizam reuniões semanais ou mensais e um grande encontro anual para conversar sobre temas escolhidos, na perspectiva cristã. Especificamente o EAC foi uma ideia do Padre Adenilson, que já conseguiu reunir 50 adolescentes assíduos.
Além dos grupos, a igreja oferta a catequese, realizada sempre aos domingos após a missa das crianças (missa das 9 horas), e também a crisma. Para além de todos esses eventos de rotina, há outros dois momentos de destaque da Paróquia ao longo do ano: a festa junina, que mobiliza o trabalho dos grupos e reúne a comunidade, e a festa de 2 de fevereiro. Esta é a data de Nossa Senhora dos Navegantes, portanto a festa da padroeira, e é precedida por um novenário (nove dias de oração), e conta com um grande almoço e uma carreata levando a imagem da padroeira.

Outros grupos que também utilizam as dependências da igreja são a Patrulha Jovem do Rio, também chamada de APAR; Alcoólicos Anônimos; e Narcóticos Anônimos.
Assim, é no “miolo” da Baixa do Sapateiro, e ao mesmo tempo perto da Avenida Brasil, nas dependências de um grande templo que se destaca na paisagem, que muitas atividades acontecem. Atividades religiosas, para quem se identifica, tem fé e apreço pela igreja; atividades sociais, educativas, de confraternização e reabilitação.
Veja mais fotos, por Ana Cristina da Silva:









