Amor mantido à distância: mães que têm filhos em cárcere

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Por Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz

Todos os nomes desta matéria são fictícios, em prol da privacidade de seus personagens

Comemorado sempre no segundo domingo do mês de maio, o dia das mães é uma data marcada por festas, almoços em família e momentos felizes. No entanto, para algumas pessoas, esta data também pode trazer certa angústia. No Conjunto de Favelas da Maré, duas mães falam sobre a dor de ter filhos privados de liberdade. Separadas pela divisa, de um lado está Carla, na Baixa do Sapateiro, do outro está Renata, na Nova Holanda. O filho de Carla tem apenas 18 anos, enquanto o de Renata está com 34. No entanto, ambos se encontram no Complexo Penitenciário de Gericinó, impossibilitados de celebrarem com suas mães uma data que as homenageia.

À espera de Cláudio

Cláudio tinha 15 anos quando começou a fazer uso recreativo de drogas. Isso foi há apenas quatro anos, mas as consequências foram longe rápido demais: para manter o consumo, ele pedia dinheiro à mãe, Carla, e quando ela se recusava a dar ele gritava, xingava e ameaçava. Começou a roubar e furtar para ter dinheiro, e ainda menor de idade ele ficou detido por três vezes, sendo o maior tempo de duas semanas. Ela se lembra de ter alertado o filho: “Eu falei: você vai pegar uma cadeia maior e vai ser pior, você vai sentir o que é sofrer. Aí agora ele sentiu”. Cláudio está preso há cerca de 9 meses no Complexo Penitenciário de Gericinó, e tem previsão de ser solto esse ano por ser réu primário e porque não estava armado quando foi detido.

Carla tem 44 anos e concilia dois trabalhos, sendo um como autônoma e outro numa unidade de saúde. Além do Cláudio, que vai fazer 19 anos, ela tem uma filha de 26, formada e atuante na área, e vem criando desde 2017 uma sobrinha de 18 e um sobrinho de 9 anos. Em menos de um ano longe do filho, ela foi criando estratégias para lidar com o fato. De início, ela tentava visitar duas vezes por semana, o que causava muito sofrimento: “Começou a dar um problema muito sério de ansiedade em mim, e eu não queria ficar naquele lugar porque a minha criação não foi essa, de estar em porta de prisão. Eu nunca fiz nada de errado… então eu pensava: ‘o que eu estou fazendo aqui? Eu não errei pra estar aqui’. Fui colocando na minha cabeça que eu iria estar quando eu quisesse estar”.

Esse processo já vinha da frustração em ver o filho se comportar como era antes da prisão, e como mãe ela se culpava. Não se sentiu julgada pela família, amigos e conhecidos, porque sabia que a reconheciam como uma boa mãe e tia, mas ela mesma tinha seus momentos de dúvida: “Por muitas vezes eu chorei. Eu chorava para a minha filha e ela falava ‘mãe, não se sente culpada, olha a minha criação, a senhora sempre deu a mesma criação pro Cláudio'”. Com o tempo, ela entendeu que não era saudável visitá-lo tantas vezes e que isso não era um sinal de menos amor ou cuidado.

“Eu sentei com ele lá e falei: ‘eu quero estar aqui quando eu quiser estar. Eu não vou estar porque você quer. Quando eu sentir saudade e vontade de vir, eu vou vir’.

Hoje, ela só vai visitar o filho quando pode, geralmente aos sábados quando não precisa trabalhar. Hoje, quem vai com mais frequência é a namorada dele, e antes da ida a Carla prepara comida para ela levar. Itens como tempero de feijão, carne e frango, que ele aproveita para comer quando a comida da prisão vem azeda. Ela também manda leite e Neston para ele poder tomar como refeição quando o almoço está azedo. “Eu procuro estar sempre em assistência com ele, mandando o que ele precisa, pra estar bem ao redor. Quando eu vou ele se sente muito confortável de me receber lá, ele gosta, fica muito feliz de me encontrar lá”.

Agora, a família vive a expectativa da liberação do Cláudio, e ela vem orientando o filho no sentido de concluir os estudos, cuidar da saúde mental e começar a trabalhar para reestruturar a vida.

“Eu falo pra ele: você tem que trabalhar. Trabalhar, se manter, crescendo aos pouquinhos, você tendo um processo de vida. Eu tive, sua irmã teve, por que você não vai ter? A vida pra você está começando agora, só basta você querer mudar”.

“Ele mandou um abraço pra senhora”

Renata tinha apenas 16 anos quando engravidou de Marcelo. O namorado a deixou antes mesmo da criança nascer. E, apesar de ter ajudado a comprar comida nos primeiros meses, não durou muito até que ele sumisse de vez. Por sorte, a moradora da Nova Holanda sempre pôde contar com os pais. Para sobreviver, por muitas vezes ela ajudou a família fazendo a xepa, mas assim que completou 18 anos começou a trabalhar para sustentar o filho. Trabalhou incansavelmente e ofereceu tudo aquilo que estava ao seu alcance. No entanto, ainda assim, hoje ela é uma das tantas mães que chora ao encarar a realidade amarga de se ter um filho encarcerado. “Eu dava tudo do bom e do melhor pra ele, o que eu pude. Só que ele morou comigo até os 25 anos, porque ele casou com uma mulher, aí ele foi viver de aluguel. E é isso… Virou a cabeça. Então eu fico muito triste por isso, porque tudo o que eu pude fazer pelo meu filho eu fiz”, conta Renata.

Quatro anos atrás, durante uma operação policial, Marcelo foi baleado na perna e detido pela polícia. Após deixar o hospital Miguel Couto ele foi condenado a 21 anos de prisão. Quatro anos já se passaram e desde então mãe e filho nunca mais se viram pessoalmente. Afinal, no período em que ele esteve no hospital nunca pôde receber visitas e quando foi para a penitenciária, Renata se viu impossibilitada de vê-lo, já que mais uma vez estava lidando com os desafios de ser mãe solo. Acontece que no mesmo ano em que Marcelo foi preso, Renata passou a cuidar da sobrinha recém-nascida. Com a morte de seu irmão e pai da criança, a mareense então tornou-se mãe da menina, conseguindo a guarda provisória um tempo depois.

“Eu não estou indo ver meu filho. Não tem como, porque eu tenho essa bebê de 4 aninhos. E o domingo, o dia que eu tenho, é pra lavar roupa, dar uma faxina na casa. E ela não fica com ninguém, ela só fica comigo. (…) São pessoas que saem de lá de onde ele tá (ex-presidiários), que me dão notícias dele. ‘Eu estive lá com o seu filho, ele mandou um abraço pra senhora. Pra senhora cuidar da menininha e não se preocupar com ele não que ele tá bem’“.

Pessoas privadas de liberdade se tornam muitas vezes “invisíveis” e incomunicáveis. Foto: Governo de São Paulo/Flickr.

Quando Marcelo, aos 25 anos, casou e saiu de casa, Renata continuou tentando ajudar. Pagou alguns meses do aluguel, arrumou um emprego na Uruguaiana para ele e para a esposa, mas Marcelo acabou entrando para o tráfico. Em sua primeira detenção, Renata tentou visitá-lo. Levou comida, roupas e cobertores, mas por um problema na lista de visitas não conseguiu vê-lo. Ficou nervosa, passou mal. Aquele dia foi tão traumático que ela não quis mais voltar. Na sua segunda e atual prisão, Marcelo foi baleado na perna e por conta disso ficou internado por um tempo. O cenário doloroso então se repetiu. Renata queria ver o filho, mas mais uma vez não conseguia.

Ele ficou no hospital e quase todo dia eu ia lá. Quase todos os dias porque eu tinha que trabalhar. Quando eu saía do trabalho, às vezes eu ia pra lá, mas nunca consegui entrar. Nunca. Aí eu ficava ali mandando recado pelo balcão de atendimento. Pra avisarem que a mãe dele esteve ali, que a mãe dele mandou um abraço, um beijo. Aí era onde eu levava uma toalha, uma coberta. Pedia pra que um deles pudesse me trazer pra eu lavar e mandar de volta. Mas os policiais nunca deixaram eu ver meu filho. Nunca“.

Hoje em dia Renata passa os dias vivendo um misto de emoções, onde uma hora planeja um futuro melhor para o filho e no outro sente medo deste futuro nunca existir. “Eu tenho muito medo do meu filho sair e acontecer o pior aqui fora. Assim como eu vi muitos que saíram, ficaram uma semana na rua e na operação a polícia matou”. Ela conta que antes de Marcelo ser preso ela mal dormia, saía pelas ruas de noite procurando por ele. Agora, apesar de tudo, ela consegue dormir pois sabe que ao menos ele está “guardado”. No entanto, já são quatro anos sem ver ou falar com o filho. Com a morte dos pais, a moradora da Nova Holanda se vê totalmente sozinha para criar sua filha de quatro anos, mas mesmo com todos os problemas ainda agradece o que tem. Quanto ao seu filho, ela segue todos os dias a espera de uma oportunidade para mandar um recado ou receber notícias dele, mesmo que de forma indireta.

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