Futuro dos museus e educação popular são temas de seminário na Fiocruz

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Por Carolina Vaz e Raysa Castro

Foto de capa: Jeferson Mendonça, DAD/COC/Fiocruz

Projetos do CEASM como Museu da Maré e CPV participaram do IV Seminário de Pesquisa e Prática em Museus, na Fiocruz, nos dias 09 e 10 de novembro. Esta edição do seminário teve como tema “Museus e territórios”, o que orientou seus participantes a exporem as experiências locais, assim como perspectivas para o futuro. Transmitido ao vivo, o evento pode ser assistido pelo canal de Youtube do Museu da Vida.

Abertura: o futuro próximo dos museus com o novo governo

O CEASM se fez presente na mesa de abertura na fala de Cláudia Rose, diretora do Museu da Maré. Ela focou sua exposição nas esperanças e desafios, a partir do governo Lula que se iniciará em 2023, para a área dos museus e cultura em geral. Para a diretora do Museu, não se pode ignorar a polarização da sociedade que a eleição evidenciou, e para equipamentos culturais como um museu comunitário os embates se dão no dia a dia, no território. É preciso, então, fortalecer as ações locais e estar atento aos simbolismos do lado oposto, a exemplo dos atos e atentados antidemocráticos que se iniciaram logo após a eleição. Sua fala foi complementada pela de Marcos José Pinheiro, diretor da Casa de Oswaldo Cruz, que também listou desafios para os próximos quatro anos: estabelecer diálogos; respeito ao outro; confronto com pensamentos diferentes; e sobretudo retomar a democracia. Para ele, o Seminário era um momento importante para se fazer debates estruturais. Também participaram da abertura Heliton Barros, chefe do Museu da Vida, e José Leonídio de Sousa, coordenador da Cooperação Social da Fiocruz. Leonídio destacou o compromisso da Fiocruz em trabalhar a História Social tanto em seus espaços próprios, como o Museu da Vida e a Casa de Oswaldo Cruz, quanto na parceria com instituições locais, a exemplo do CEASM e Rede CCAP de Manguinhos.

Mesa de abertura, da esquerda para a direita: Denise Studart, Cláudia Rose, Heliton Barros, Marcos Pinheiro e Leonídio de Sousa. Foto: Jeferson Mendonça, DAD/COC/Fiocruz.

Os museu no caminho decolonial

Na sequência, aconteceu a mesa “Museologia Social, decolonialidade e políticas públicas”. Uma das falas foi de Marcelle Pereira, reitora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), que defendeu a decolonialidade como um princípio das instituições de pesquisa, ensino, culturais e outras, e não como algo executado apenas em ações isoladas. “A perspectiva decolonial tem que ser um projeto”, afirmou, sugerindo que a mesma oriente inclusive políticas públicas, tendo como oportunidade o governo que se inicia em 2023. Nesse sentido, ela elogiou as práticas territoriais que já se orientam nesse caminho, mas defendeu que as iniciativas de museologia social sejam melhor acompanhadas, gerando indicadores sobre suas atuações.

Uma experiência recente de aproximação com essa perspectiva, que desmonta a superioridade dos museus perante os cidadãos, veio com a fala de Douglas Falcão, educador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). O MAST foi criado a partir do Observatório Nacional, e por muito tempo não estabeleceu vínculos com a comunidade do entorno no bairro de São Cristóvão. Assim, no evento ele apresentou o projeto Nós no MAST, criado em 2019 com o objetivo de aproximar o Museu das escolas públicas, moradores e empresas do bairro, assim como respectivos trabalhadores. Até agora a equipe executou ações com o primeiro público, desenvolvendo atividades do Museu dentro de escolas do bairro, e desse modo foi realizado, em setembro de 2021, o 1º Torneio Virtual de Ciências, tendo como alguns dos produtos campanhas de vacinação em audiovisual criadas pelos alunos. A participação foi marcante para Douglas Falcão: “Muita coisa acontece quando você gera a oportunidade de uma fala aberta dos estudantes”.

Um debate sobre Museologia Social foi gerado a partir da apresentação de Alice Ribeiro, pesquisadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia – INCT. Ela apresentou uma pesquisa em que comparou aspectos da museologia social do Museu da Maré e do Museu da Vida. Mostrou, como alguns resultados, que o Museu da Maré coloca como central em sua narrativa a comunidade; proporciona situações de protagonismo dos visitantes, quando os próprios moradores comentam as obras expostas a partir de seus conhecimentos; e tem em sua equipe grande parte de moradores e ex-moradores. O Museu da Vida, da Fiocruz, já promove outros tipos de trocas entre visitantes e mediadores, uma vez que muitos de seus objetos podem ser manuseados, mas por ter seu acervo atrelado a fatos científicos, faz parte da rotina a explanação dos mediadores.

Antônio Carlos Vieira apresentou os desafios e possibilidades para os museus no novo governo. Foto: Carolina Vaz.

O último a falar na mesa foi Antônio Carlos Vieira, diretor do Museu da Maré. Um dos destaques da sua fala foi a perspectiva de retomada e renovação de políticas públicas para espaços culturais comunitários, com o início do governo Lula em 2023. Ele listou programas e políticas de governos passados, a exemplo dos Pontos de Cultura, que foram espaços culturais reconhecidos pelos trabalhos executados nas comunidades, tendo o protagonismo respeitado e recebendo financiamento para se manter. Outro exemplo é a Política Nacional de Museus, datada de 2013. Quase 10 anos depois, ainda temos museus em apenas 18% dos municípios brasileiros. Para além da perspectiva de maior apoio e reconhecimento, o diretor do Museu da Maré expôs desafios a serem enfrentados no campo da museologia social, a exemplo de aprimorar as funções dos museus sociais como ferramentas de mobilização das comunidades, participação e execução de curadoria coletiva. Considera importante também haver maior articulação dos museus sociais em rede e garantir sustentabilidade e profissionalização para os mesmos.

Ainda no dia 09 o evento contou com a performance teatral O Muro, executada pelos artistas mareenses Geandra Nobre e Matheus Frazão. Com o uso de tijolos, areia e a projeção de um vídeo, da instalação Sondando Conflito, eles modificavam a posição dos tijolos e deles mesmos, e interagiam com a projeção, de modo a levantar reflexões sobre o papel dos muros, principalmente em territórios em constante conflito. O som que acompanha a performance é composto por gravações feitas na Síria, Brasil e Irlanda do Norte.

Na performance, Geandra Nobre e Matheus Frazão utilizam os blocos para interagir entre si e construir formas. Foto: Jeferson Mendonça, DAD/COC/Fiocruz.
A performance dos artistas mareenses ainda dialoga com o vídeo da instalação original. Foto: Jeferson Mendonça, DAD/COC/Fiocruz.

A educação popular como exemplo de ação formativa

Já no dia 10 de novembro, o CEASM esteve presente na mesa “Ações Formativas com e no Território”. Com a mediação de Carla Gruzman, pesquisadora do Museu da Vida, teve as participações de Renata de Oliveira, integrante do Grupo de Ações Territorializadas do Museu da Vida; Rachel de A. Viana, pesquisadora da Casa da Oswaldo Cruz; Nlaisa Luciano, coordenadora do CPV-CEASM; e Luiz Lourenço, educador do CEASM. O poder da coletividade e da descentralização das decisões esteve muito presente na fala de Nlaisa Luciano, que não deixou de demarcar seu lugar como a primeira coordenadora trans desse pré-vestibular em 25 anos, e relatou ter notado mais pessoas trans buscando o espaço após sua entrada na coordenação. Ela abordou os desafios de se manter um pré-vestibular popular com trabalho voluntário, uma vez que, por um lado, é natural que as pessoas priorizem trabalhos remunerados, e por outro é preciso manter o compromisso de se estar alinhado política e pedagogicamente com o método de ensino do CPV. Nlaisa também aproveitou sua fala para apresentar o projeto Tecendo Diálogos, no qual atua, financiado pela Fiocruz e que articula o Fórum de Pré-vestibulares Populares e o Fórum Favela Universidade. Tem como um de seus eixos de atuação o mapeamento dos pré-vestibulares populares do Rio de Janeiro, transformando esse mapeamento numa plataforma online para que os usuários possam encontrar facilmente um pré perto de casa. Por fim, ela destacou o aspecto humano da atuação no pré popular: “Quanto a gente fala de ações formativas não tem como não falar de vida”. E deu como exemplo a doação de cestas básicas para estudantes vulneráveis durante a pandemia.

Nlaisa Luciano abordou os desafios de um pré-vestibular comprometido com sua pedagogia e a disponibilidade de voluntários. Foto: Jeferson Mendonça, DAD/COC/Fiocruz.

Um exemplo mais específico da educação popular executada na instituição esteve na fala do educador Luiz Lourenço, de Geografia, que atua tanto no CPV quanto no Preparatório para Ensino Médio. Em sua apresentação “Cartografias da descolonialidade: o ensino de Geografia na Maré” ele mostrou o trabalho realizado nos dois espaços, em que trabalha a Geografia a partir do território da Maré, utilizando mapas e as experiências pessoais dos alunos. Através da cartografia social, da produção de mapas com os lugares que representam medo, liberdade, alegria e tristeza para os alunos, ele consegue engajamento dos educandos nos assuntos, identificação com o território, e trocas entre eles sobre cada lugar dentro da Maré. Ainda utiliza os exemplos locais para tratar os temas da Geografia em geral: “Eu falo da Mata para depois falar da Amazônia, para depois falar de aquecimento global. Você sai de etapas escalares do vivido para o abstrato”.

Luiz Lourenço apresentou seu trabalho de cartografia social nos projetos do CEASM. Foto: Jeferson Mendonça, DAD/COC/Fiocruz.

Após a mesa de ações formativas, o Seminário finalizou tratando do tema “Comunicação da e na favela”, também disponível online. O evento foi realizado pelo Museu da Vida em parceria com o CEASM e Conselho Comunitário de Manguinhos.

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