Atletas de jiu-jitsu do Parque União voltam de Dubai com 21 medalhas
Por Carolina Vaz
Foto de capa: Raysa Castro
Maré é potência, P.U. é referência!
Quem ouvia essa frase saindo de um carro de som no Parque União, numa quarta-feira às 18h, pode não ter entendido nada até ver a multidão que acompanhava: mais de 30 crianças e adolescentes uniformizados pelo Maré Top Team, que acabavam de chegar de Abu Dhabi (também conhecida como Dubai), capital dos Emirados Árabes Unidos. No total, eram 38 lutadores de jiu-jitsu, muitos deles carregando medalhas de ouro, prata e bronze no pescoço, e junto na multidão os treinadores, as famílias, amigos e mais todo mundo que quis acompanhar a recepção calorosa na última quarta-feira, dia 16. O clima contagiou a favela, com os atletas indo cumprimentar e receber os parabéns de pessoas que viam o movimento e reconheciam. O grupo estava há mais de uma semana participando do Abu Dhabi World Pro Jiu-Jitsu, campeonato mundial do esporte iniciado em 15 de novembro.
Uma das crianças que compôs o grupo foi Júlia Freires, de 12 anos, moradora do Parque União. Em uma luta na categoria Pluma, ela conquistou a medalha de ouro. Treinando há 3 anos, já tinha competido em outras cidades como São Paulo e Guarapari, mas a viagem pra Dubai ela gostou “pra caraca”. Quem também viajou foi seu irmão, Ryan Freires, de 16 anos, o que deixou a mãe, Adriana, “desesperada” de saudades. “Eu perdi 10 quilos, eu não almoçava, não jantava, não lanchava, não fazia nada, só trabalhando”, conta, acrescentando que é mãe solo das crianças, contando apenas com a avó na criação. O desespero foi de saudades, sentimento já substituído pelo orgulho dos filhos.
O Kauê Henrique, de 13 anos, entrevistado pelo Jornal O Cidadão em fevereiro também trouxe medalha para sua coleção de mais de 50: uma de bronze, conquistada na categoria meio-pesado, de 55 kg, faixa amarela. Ele fez duas lutas, conquistando a medalha na segunda. Para ele, a viagem foi muito boa, todo mundo se divertiu bastante, mas ressaltou que treinavam todo dia: “A gente treinava. Saía do hotel 4 da tarde pra chegar 5 da tarde pra treinar”. Agora ele se prepara para mais dois campeonatos mundiais em 2023, em Roma e Estados Unidos: “Quero conseguir mais uma medalha e mais um título”.
Quem fez questão de ressaltar que o grupo se divertia e brincava muito no hotel, apesar de ter chegado com uma medalha de ouro pesando no pescoço, foi o Felipe Horsth, de 9 anos, que treina desde os 6. Ele fez duas lutas na categoria 30 quilos, depois de treinar todo dia, mas só na parte da tarde: “A gente ficou brincando muito no hotel, e treinamos… só um pouco”. Apesar da pouca idade, ele já conquistou 26 medalhas de ouro, tendo cerca de 40 no total, e quer ser atleta de jiu-jitsu quando adulto.
O resultado de oito anos de sonho e trabalho
O Maré Top Team, projeto de jiu-jitsu do Parque União que levou as crianças para Abu Dhabi, completou oito anos em agosto. Eles chegaram no Parque União, na última quarta-feira, trazendo 14 medalhas de ouro, 5 de prata e 2 de bronze. A conquista dessas medalhas nessa viagem, para o criador do projeto e treinador Douglas Gentil, já era prevista dentro do que ele idealizou lá em 2014. “Quando eu pensei nesse projeto gratuito falaram ‘tá maluco? Vai dar aula de graça?’ e eu falei que ia dar aula de graça porque eles [os futuros alunos] não tinham condições de pagar o meu conhecimento”. Uma das primeiras pessoas a acreditar foi o Deraldo Batista, presidente da Associação de Moradores do Parque União (AMPU) à época, que viabilizou o espaço na Associação: todo o último andar pertence ao Maré Top Team. Segundo Douglas, 99% desse sonho é dele: “Eu sempre falei que ia ter a maior equipe do mundo… e ele falou: ‘vou acreditar em tu’. Então isso é muito difícil”.
Oito anos depois, o Maré Top Team tem mais de 200 alunos treinando gratuitamente, e levando para Abu Dhabi 38 competidores, sendo mais de 30 do Parque União e os demais de outras unidades do time, além de sete treinadores e familiares, um total de 56 pessoas. Foi uma viagem de 9 dias, sendo 2 para ir e voltar, e 7 dias lá. O grupo tinha passado todo o ano de 2022 tentando arrecadar para a viagem, em algumas iniciativas individuais inclusive com vaquinhas e rifas, mas foi num contato do Douglas com uma admiradora do esporte que tudo se tornou possível. A Thais Tlalka, brasileira moradora de Dubai, soube do projeto e, após uma visita, prometeu tentar conseguir patrocínio. Foi assim que o time conquistou o patrocínio do fundo de investimentos Mubadala Capital, que pagou tudo – viagem, hotel, alimentação – para 34 pessoas. Outras 7 foram patrocinadas pela Secretaria de Esporte e Lazer do governo do estado, e as demais com outras fontes de recurso.
O impacto dessa mudança de ambiente para as crianças e adolescentes está na memória de quem foi, e esteve presente também na fala emocionada do Douglas vendo aonde chegou: “Era ritmo de festa pra eles… um dia você está no Parque União e no outro em Dubai! Era piscina, ficavam descendo e subindo elevador”. A Mubadala também pagou para as crianças irem, no último dia, ao parque da Warner Bros, o maior parque indoor do mundo.
“Eu estou realizado… a palavra certa é realização, porque é muito difícil você fazer alguém acreditar no seu sonho. Sonhar é fácil, mas fazer com que as outras pessoas acreditem e comprem isso…”
Douglas Gentil, idealizador e treinador do Maré Top Team
O grupo chegou de viagem e foi recebido no Parque União, logo no ponto de ônibus da Praça do P.U., com carro de som e fogos, tudo organizado pela associação de moradores. O clima era de festa, e apesar das 13 horas de voo de Abu Dhabi para o Brasil, o grupo circulou o P.U. com medalhas e malas, e na sede do Maré Top Team encontrou, no lugar dos tatames, mesas com bolo, cachorro-quente e refrigerante, além do ping-pong pra brincar. A euforia da recepção foi aos poucos dando lugar ao cansaço dos atletas e suas famílias, que começaram a ir para casa, mas só depois de abraçar e agradecer aos treinadores. Descanso necessário, porque o dia seguinte já é dia de treino para quem luta no Maré Top Team.