Nossa aula inaugural

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Por Jeferson Luciano, coordenador do Curso Pré Vestibular (CPV) do Ceasm

Em meio à Praça dos Caetés -nome este que, em palavras, carrega um tupi antigo de um povo já extinto – entre as águas mareenses, entro em contato com diferentes olhares, de diferentes pessoas, de diferentes lugares de uma mesma Maré. É mais uma Aula Inaugural, de mais um ano que já nos desafia lutar diariamente pelos nossos.

Enquanto o microfone permanece desligado, enquanto vejo pessoas buscando no balanço das mãos um recurso mínimo de se fazer ventar o rosto para suportar o calor do verão, vejo cada espaço do CEASM se preenchendo de corpos que buscam objetivos comuns e são estes comuns que nos unem neste dia 11 de Fevereiro às 19h do dia solar.

A fala inicial da Amanda apresenta a coordenação no momento em que eu estava na secretaria e resgata em palavras o que Angela não nos deixa esquecer, mesmo não podendo estar presente.

De quem é o espaço? Nosso! O cuidado é coletivo. Mutirões de colaboradores pintaram, limparam e organizaram as salas para receber seus novos visitantes. E assim, continuamos a ouvir sobre a importância das aulas semanais, das monitorias dos sábados e das aulas campos – em sua maioria- aos domingos. Sobre o calendário de atividades, frequências, documentos importantes e a contribuição mensal, já que não temos nenhum tipo de financiamento.

Importante também foi a contribuição do educador Humberto que nos contextualizou sobre a História do CPV e do CEASM, carregando em seu discurso a experiência, a teoria e a prática do processo fortalecendo continuamente nossas vigas de madeiras que fincamos na História Oficial abrindo brechas para a favela seguir lutando pelos seus espaços.

São essas brechas que nos permitem ouvir Lucas e Gerusa contando suas trajetórias de vida e pensando o CPV também como um “divisor de águas”. A persistência, a luta diária e o sonho realizado de passar para uma universidade pública foram projetados como inspiração para quem os ouvia, e como já dito nas palavras de Gerusa: “cada obstáculo transformei num degrau pra subir”.

Percebi que estava rodeado de pessoas queridas, nos degraus da pequena escada que existe no pátio do CEASM e foram essas pessoas que iniciaram seus di(to)scursos na frente de tanta gente, falando como foram suas experiências no ano anterior e o início de uma nova fase sendo nossos novos universitários e nossas novas universitárias.

Por fim, cada educador, educadora e – se me permitem- educador(e) repassou o microfone de mão em mão e, assim, cada voz que ali era projetada dava as boas-vindas e falava um pouco sobre suas matérias. E como escreveu Baudelaire em “O sol”, estávamos

“Buscando em cada canto os acasos da rima,

Tropeçando em palavras como nas calçadas,

Topando imagens desde há muito já sonhadas”

O clima foi de esperança vendo a nova geração do CPV 2019. E eu só agradeço por darem forma a essa matéria que não sei figurar, mas que é fluida e permanente alheia a toda fraude, como escreveu Drummond em “O Elefante”.

Esta é uma perspectiva lida e observada por mim. Sobre a necessidade do registro-escrita como forma de resistência também. Escrevi um relato sobre nossa primeira aula e deixo aqui um relato de uma escritora favelada:

 “Vou escrever um livro referente à favela. Hei de citar tudo o que aqui se passa. E tudo que vocês me fazem. Eu quero escrever o livro, e vocês com estas cenas desagradáveis me fornece os argumentos.”

(Carolina Maria de Jesus)

E ao término da Aula Inaugural, enquanto observava cada rosto conhecido e desconhecido, pensava nos dias que virão. Mas por hora, naquela noite tão calorosa, sobrevivemos.

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