Pesquisa da Luta pela Paz motiva debate sobre violência de gênero

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Por Ana Cristina da Silva

Foto em destaque: Mídia NINJA

Na última terça-feira (21), o Projeto Zona Nossa, fruto da parceria entre o UNICEF e a Luta Pela Paz, realizou um evento online pela plataforma Zoom. O painel contou com três convidadas para debater e refletir sobre o tema Violência contra meninas e adolescentes na Maré, tendo como ponto de partida a pesquisa de mesmo nome realizada no ano anterior. A conversa levantou questões como os diferentes tipos de violência de gênero sofridas por meninas e adolescentes do território e as dificuldades e potencialidades da Rede de Proteção. O bate-papo ainda contou com relatos e perguntas feitas pelos participantes presentes na live.

Enquanto a moderação do evento, que durou cerca de duas horas, ficou por conta de Viviane Carmen, assistente social e coordenadora do Projeto AGIR da Luta Pela Paz, as principais abordagens do tema escolhido foram feitas pelas convidadas Marcele Frossard, cientista social e coordenadora da pesquisa Breve diagnóstico sobre a violência contra meninas e adolescentes na Maré; Vitória Azevedo, estudante de museologia e mobilizadora do Projeto Zona Nossa; e Luciana Alves, assistente social e coordenadora da área de Suporte Social da Luta Pela Paz.

A pesquisa

Realizada pela Luta Pela Paz em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a pesquisa Breve diagnóstico sobre a violência contra meninas e adolescentes na Maré aconteceu de outubro a dezembro de 2021, quando foram feitas 18 entrevistas semiestruturadas com jovens mulheres, familiares e profissionais da rede de proteção social de instituições públicas e da sociedade civil atuantes no território. A faixa etária analisada na pesquisa corresponde a meninas de 0 a 11 anos, adolescentes entre 12 e 17 e jovens mulheres de 18 a 24 anos de idade a fim de não apenas identificar as violências sofridas por esses grupos, como também de se pensar em formas de prevenção.

O relatório, que se divide em três capítulos, começa com a apresentação de diferentes dados sobre o conjunto de favelas da Maré e sobre as taxas de crimes cometidos contra mulheres, denunciados à polícia civil do estado do Rio. Porém, a pesquisa vai se direcionando a partir dos relatos de moradores da Maré, onde são apresentados diferentes tipos de violência de gênero, como a violência patrimonial, psicológica, moral, sexual e física. O estudo ainda é feito a partir da análise de componentes de pertencimento, como gênero, raça e classe.

Para avaliar as taxas de crimes na Maré, a pesquisa recorreu aos dados da Área Integrada de Segurança Pública 22 (AISP 22), que abrange o território da Maré e os bairros adjacentes. O gráfico abaixo faz uma comparação entre homens e mulheres, mas a pesquisa chama atenção para o fato de que enquanto homens são mais vitimizados em um contexto urbano, ou seja, crimes que em sua maioria são cometidos na rua, as mulheres predominam entre as vítimas de estupro, lesão corporal e ameaça, violências que tendem a acontecer dentro do ambiente doméstico:

Violência de gênero e suas variações

Durante o painel, foram apresentados muitos casos de violência contra meninas e mulheres, onde os atos iam muito além das agressões sexuais e físicas. A cientista Marcele Frossard, ao citar uma seção do segundo capítulo de sua pesquisa, explicou como o uso do termo “novinha”, muito utilizado dentro do território, também se inclui na violência de gênero: “A ‘novinha’ é essa menina que às vezes é até criança ainda, mas que de alguma forma tem um comportamento erotizado ou sexualizado. Está relacionado com as roupas que ela usa, se ela vai a algum baile ou se ela já tem algum namorado. Por conta disso, ela deixa de ser vista como adolescente ou como criança. Isso também é uma forma de violência”.

A pesquisa, realizada pela Luta Pela Paz e UNICEF, conclui que as violências contra meninas e mulheres dentro do território estão, também, muito atreladas a questões socioeconômicas e culturais, o que significa que muitas destas violências começam dentro de casa e passam despercebidas. Reforçando essa ideia, durante sua apresentação, a mobilizadora Vitória Azevedo falou um pouco sobre a sua vivência no território: “Eu fui criada com 6 primos meninos, então desde pequena eu percebo muito essa diferença de tratamento entre eu e eles. Eu tinha que ajudar minha avó a lavar a louça e limpar a casa, enquanto meus primos brincavam o dia inteiro”. Os exemplos dados por Vitória representam outra forma de violência: a desigualdade de gênero.

É muito complicado essa objetificação que nós mulheres sofremos, principalmente nós mulheres pardas, pretas, que temos essa objetificação por causa do nosso corpo, das nossas feições faciais. Então crescer, vendo que minhas roupas, meus gostos, tudo que me engloba, fazem essa objetificação, não só em mim, mas em diversas mulheres, foi algo que me ajudou a ter uma consciência muito cedo da importância da luta e do afeto que nós mulheres temos que ter e que, infelizmente, somos muito privadas.

— Vitória Azevedo, mobilizadora do Projeto Zona Nossa. 

Desafios e potencialidades da Rede de Proteção de meninas e adolescentes da Maré

Ao se apresentar por último, a coordenadora da área de Suporte Social da Luta Pela Paz, Luciana Alves, alegou que as principais dificuldades enfrentadas por uma rede de proteção dentro do território da Maré estão ligadas à naturalização de acontecimentos que colocam uma menina ou adolescente em situação de violência sem que as pessoas façam críticas. Reforçando muitos fatores que foram apresentados tanto na pesquisa, quanto por Marcele e Vitória durante o evento, Luciana citou exemplos onde um sentimento de culpa é inserido na vítima pela própria família. “Essa normatização faz com que, muitas vezes, essas meninas ou responsáveis não entendam que essas crianças, essas adolescentes, estão sendo vítimas de violência. Então quando você vê que o pai diz ‘ah, não usa essa roupa’, ainda que seja uma questão de cuidado, ele vai estar verbalizando algo como ‘se estiver com essa roupa alguma coisa vai acontecer e a culpa é sua’, acho que esse é um dos maiores desafios”.

Na tabela abaixo, a pesquisa coordenada por Marcele Frossard comparou os dados correspondentes a crimes violentos da AISP 22, área que abrange a Maré, com as taxas do Estado do Rio de Janeiro, levando em consideração características como a faixa etária e a etnia das vítimas:

Quanto às potencialidades da rede de proteção, Luciana cita alguns exemplos como o vínculo entre as equipes da instituição com as pessoas atendidas, o que gera certo grau de confiança; as parcerias do Luta Pela Paz com as Clínicas da Família, que viabilizam serviços de saúde; e o fortalecimento de relações com escolas e demais instituições que atendem crianças e adolescentes no território. Porém, ela destaca também a necessidade de serviços como o Centro de Referência de Atendimento a Mulheres da Maré (CRAMM) e a Casa das Mulheres. “Muitas das vezes elas vão conseguir chegar nesses espaços, mas não vão conseguir chegar em outros. As pessoas falam ‘ah, mas não é importante fazer denúncia’, é importante, mas a denúncia policial, às vezes, se atravessa não só pela questão do território, mas também devido a forma e abordagem utilizadas ali, que muitas vezes reproduzem todos esses preconceitos que a gente falou, como a questão da vestimenta”.

Encerramento

Com o tempo restante liberado para perguntas, Alessandra Alves, assistente social do Luta Pela Paz, foi a primeira a ligar o microfone, trazendo uma  reflexão sobre a necessidade de se expandir cada vez mais o que é violência dentro do território e ressaltando, com certa urgência, que algumas falas e atitudes violentas de muitas pessoas, dando como exemplo as mães solo, tinham relação não só com um determinado histórico de criação, como também com a falta de informação: “As pessoas que vivem nos espaços de favela foram as mais prejudicadas no sentido de acesso a algumas informações. Essa não-informação acaba vindo de encontro com esse espaço de violência que a gente acaba difundindo”. Em clima de debate acerca do território e das violências apresentadas na pesquisa, o evento on-line se encerrou, com pouco mais de duas horas.

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