Professora mareense transforma alunos em personagens de livros

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Por Ana Cristina da Silva

Ser professora vai muito além de entrar em sala de aula e ensinar conteúdos instruídos pela instituição. Lígia Maria Santos do Nascimento sabe bem disso. Afinal, a moradora do Pinheiro trabalha com educação infantil na Escola Municipal Afonso Salles, em Itaboraí, e na Escola Municipal Carlota Machado, localizada em Duque de Caxias. Tendo contato com as mais diversas crianças, Lígia entende que o trabalho de uma boa professora também é observar, compreender e participar do dia de seus alunos. Foi atuando dessa forma que publicou 2 livros: Eu sou assim (2021) e Maria é uma princesa (2023). Muito além de entreter as crianças, os livros também funcionam como uma ferramenta de ensino para pais e professores, já que ambas as obras têm como inspiração crianças reais.

O livro Eu sou assim: “vejo o mundo de uma forma diferente!” teve 600 cópias vendidas e se encontra esgotado no momento. Foto: Raysa Castro

Seu primeiro livro “Eu sou Assim”, apresenta a história de Abner em 10 páginas. Abner foi o primeiro aluno com Transtorno de Espectro Autista da Escola Municipal Afonso Salles e, por conta disso, Lígia foi colocada como professora mediadora. Foi assim que conheceu Maria, a protagonista de seu segundo livro, lançado este ano. Apesar de não ter sido diretamente sua aluna, Maria fazia parte da turma de Abner e assim todos tiveram contato. Para Lígia, além da personalidade alegre da menina, o que chamou muita atenção foram os diferentes penteados com os quais ela aparecia: “A Maria chegava na escola com vários cabelos, de trancinha, de coque, de black, vários modelos (…) a mãe que organizava os penteados, aí vinha com o cabelo até a cintura, vinha com o cabelo curto, cada dia era uma coisa diferente, foi o que me chamou a atenção”, lembra Lígia.

O livro conta com uma ilustração da mãe de Maria arrumando seu cabelo para a escola. Foto: Raysa Castro.

“Eu queria que a Maria Eduarda soubesse o quanto ela é importante, o quanto ela é especial pra mim enquanto professora e pra sociedade também, para a autoestima ser elevada (…) eu quero quebrar esse paradigma de princesa só de tom de pele clara, de olhos claros, cabelos claros… a minha princesa é negra”.

Apesar da profissão de educadora, Lígia sempre sonhou em ser escritora, só não sabia por onde começar. Segundo a mareense, esse sonho engavetado voltou com força total quando se tornou mediadora de Abner. “Eu falei assim: ‘eu tenho que fazer alguma coisa pra ajudar, porque hoje é o Abner e amanhã vai ser outro aluno. Eu preciso ajudar, mas eu não quero falar sobre autismo, porque autismo tem no Google, se pesquisar vai achar. Eu quero falar algumas características que a criança autista tem e aí com isso eu vou poder ajudar um pai, uma mãe, um irmão e até professoras em sala de aula’”. De fato, foi o que aconteceu. Lígia afirma que com a alta demanda para atender alunos com Transtorno de Espectro Autista muitos amigos da área compraram seu primeiro livro para implementar nas escolas de Niterói e São Gonçalo.

Sendo de muita importância não só para professores, o livro “Eu Sou Assim” também fez sucesso com as crianças. Quem afirma isso é a mãe de um ex-aluno de Ligia, Marina. Mãe de João Mateus, que também é uma criança com Transtorno de Espectro Autista, ela fala sobre como o livro foi importante para os dois, confira abaixo:

“Esse livro ‘Eu sou assim, vejo o mundo de uma forma diferente’, eu adquiri com ela (Ligia) e ofereci para o João Mateus e ele amou o livro, ele recriou as imagens do livro, ele foi pra debaixo da mesa, ele colocava a mãozinha no queixo e ele ficava observando as imagens se identificando. Isso me chamou muita atenção. Isso foi muito bonito de ver, que ele tava se identificando com o livro, que ele mesmo sendo uma criança não verbal ele estava entendendo perfeitamente o que estava sendo passado pra ele ali através do livro. Então eu sou muito grata a Ligia por escrever um livro tão lindo quanto esse”.

— Marina, mãe de João Mateus.
João Mateus reproduz cenas do livro “Eu sou assim”. Foto: Arquivo pessoal.

Trabalho em equipe e em família

Mãe de dois filhos, Ligia sempre levou Igor e Iris para as escolas em que trabalha. Lá, eles tinham contato direto com todos os alunos, foi assim que Iris percebeu que Abner se comportava de uma maneira única, diferente dos demais. Juntando isso ao fato da filha adorar desenhar, Lígia pediu para que a filha desenhasse Abner em situações diferentes e, sem saber, aos 12 anos de idade, Iris criou desenhos que hoje ilustram o primeiro livro de sua mãe. “Eu não dava nada por isso, mas fiquei bem feliz com a proporção que o livro ganhou, do fato das pessoas terem gostado. Porque querendo ou não, não é uma ilustração de um profissional, é de uma pessoa de primeira viagem, eu vim e dei a minha contribuição. Acho que foi de cara e coragem”, conta Iris Nascimento.

Hoje, com 20 anos e fazendo faculdade na UERJ, Iris se viu sem tempo para criar as ilustrações do livro ‘Maria é uma princesa’, então de comum acordo, mãe e filha contrataram Renata Nogueira para ilustrar a história de Maria Eduarda. No entanto, apesar de não ter criado as ilustrações, Iris se aventurou na escrita e junto com sua mãe, contou a história de Maria Eduarda, afinal, assim como conhecia Abner, Iris também conhecia a moradora de Itaboraí dentro e fora da sala de aula, já que a menina havia passado um tempo na casa da família mareense.  “Nas minhas férias eu falei com a mãe dela se ela autorizava eu trazer a Maria pra passar uma semana comigo, aí ela autorizou (…) Maria veio pra cá e passou uma semana com a gente. Iris conheceu ela, até já tinha conhecido em sala de aula. Então ela teve facilidade de escrever sobre ela”, explica Lígia.

Mãe e filha trabalharam lado a lado para dar vida aos dois livros infantis. Foto: Raysa Castro.

Planos e objetivos

Tendo todo o apoio da Brinque Ler, editora responsável pela publicação de ambos os livros, Lígia destaca que gosta de escrever sobre o cotidiano e que seu objetivo com os livros infantis é contribuir com a sociedade, mostrando para diferentes famílias que suas crianças não estão sozinhas. “o meu objetivo com os livros é ter menos dedos apontados e mais mãos estendidas, mãos acolhedoras”. Segundo a mareense, enquanto o primeiro livro aborda a inclusão de diferentes crianças, o segundo reflete sobre o racismo, mostrando através da história da pequena Maria Eduarda que “as pessoas podem ser o que quiserem, independente de cor, religião, raça e etnia, é só acreditar”.

Com o primeiro livro esgotado após suas 600 cópias terem sido vendidas, antes de solicitar uma nova tiragem, Lígia planeja se dedicar na divulgação do “Maria é uma princesa” através de lives e feiras e festivais de livro. Com ideias engavetadas, ela não descarta a possibilidade de um terceiro livro ser produzido.

Para saber mais sobre o trabalho de Ligia acesse sua página no Instagram clicando aqui.

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