A importância de leis como Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo para artistas periféricos

Cultura, Notícias

Por Ana Cristina e Carolina Vaz

Foto em destaque: apresentação “O amor foi uma coisa negada pra gente”, de Bárbara Assis e Camila Moura, no Festival Entre Lugares Virtuais. Foto: Thiago dos Santos (@olharnafotografia)

No dia 24 de fevereiro dois projetos de lei foram aprovados na Câmara dos Deputados em Brasília. O setor cultural vibrou pela primeira vitória das leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo que, além de carregarem o nome de dois grandes artistas nacionais, têm como objetivo fomentar projetos culturais. A corrida para as leis serem sancionadas seguiu, ambas foram aprovadas também pelo Senado, mas no início deste mês, a comemoração cessou e se transformou em frustração: a lei Paulo Gustavo, que pretendia fazer um repasse de R$ 3,8 bilhões para a cultura, foi vetada pelo presidente da república, tornando o destino da lei Aldir Blanc 2, que ainda será avaliada, incerto. A frustração não é à toa, leis como estas podem fazer a diferença na vida, principalmente, de grupos pequenos e artistas independentes, como os que se encontram facilmente pela Maré.

A lei Aldir Blanc não é nenhuma novidade. Em 2020 foi quando a cultura se mostrou ainda mais necessária para as pessoas que, limitadas aos cômodos de suas próprias casas, consumiram arte como nunca. Porém, também foi o ano em que o setor cultural foi extremamente prejudicado, com artistas e profissionais da área impossibilitados de seguir com seus trabalhos e projetos. Por conta disso, ainda em 2020, a lei Aldir Blanc atuou com o repasse de R$ 3 bilhões para estados, municípios e o Distrito Federal, atendendo os trabalhadores culturais de 3 formas: com 3 parcelas de R$ 600 para pessoas físicas; com subsídio mensal entre 3 e 10 mil reais para a manutenção de espaços artísticos e culturais; e através de prêmios e editais.

A Atuação da primeira Lei Aldir Blanc para grupos e artistas da Maré

No Conjunto de Favelas da Maré muitos artistas conseguiram ser contemplados pela lei. Vanessa Greff, coordenadora geral do grupo Entre Lugares e produtora cultural do Museu da Maré, informa que os editais viabilizados pela lei Aldir Blanc ajudaram bastante. “Ganhamos a categoria de festival do Entre Lugares e ganhamos o Ponto de Cultura no Museu da Maré e executamos aqui (no Museu) o festival de cenas curtas e também as oficinas online de hip hop e teatro. Então foi fundamental essa lei Aldir Blanc, principalmente para esses projetos dentro da favela”. O edital Fomenta Festival possibilitou a realização do 1º Festival Entre Lugares Virtuais, que ofereceu prêmios em dinheiro para diferentes categorias e também uma bolsa de mil reais para 10 grupos selecionados.

Chamada para a transmissão do 1º Festival Entre Lugares Virtuais em 2021.

Para o casal de artistas Fernando Leão e Izabel Camargo, moradores do Parque União, a lei também foi fundamental. “Saímos de um grupo de teatro no começo da pandemia, mas continuamos com um projeto dele, que é a produção de um festival de formas animadas de teatro. Nos inscrevemos na primeira Aldir Blanc que teve e passamos com esse projeto. Conseguimos fazer o projeto todo acontecer, foi o que nos segurou na pandemia”, explica Izabel, de 31 anos. A 3ª edição do festival Anima Praça aconteceu em 2021 e com o auxílio da Aldir Blanc eles conseguiram pagar um cachê para os artistas e para a equipe de produção. “Foi fundamental não só para mim, mas acho que para todo mundo que participou do nosso projeto. Poder ter aquele dinheirinho para você conseguir se manter e continuar produzindo arte foi muito bom, sabe?”, concluiu o ator e músico Fernando Leão.  

Izabel Camargo e Fernando Leão na 3ª edição do Festival Anima Praça, na Escola de Dança Marcelo Estrella. Foto: Vanessa Machado.

O que prevêm as leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo?

Diferente do que foi visto em 2020 e 2021, a nova lei chamada de Aldir Blanc 2, da deputada federal Jandira Feghali, do PCdoB, prevê uma política de fomento à cultura de modo permanente com repasses de R$ 3 bilhões para a classe artística durante 5 anos. Começando em 2023, caso seja sancionada, a lei irá beneficiar pessoas físicas e jurídicas que atuam na produção, difusão, promoção e preservação e aquisição de bens, produtos ou serviços artísticos e culturais, incluindo patrimônio cultural material ou imaterial. A nova lei permite ainda o financiamento de diversas ações e atividades como feiras, espetáculos, festivais, cursos, festas populares e muito mais.

Seguindo com uma proposta parecida, o projeto de lei Paulo Gustavo, que homenageia o humorista falecido no ano passado em decorrência da Covid-19, propõe que R$ 3,8 bilhões sejam repassados para estados e municípios a fim de lidar com os efeitos negativos da pandemia sobre o setor cultural. Porém, diferente da lei Aldir Blanc 2, este projeto de lei visa oferecer R$ 2,79 bilhões, maior parte do seu valor, para produções do audiovisual, como salas de cinema, mostras e festivais. O valor de R$ 1,06 bilhão restante será dedicado a projetos e iniciativas de outras áreas, através de editais e seleções públicas. Para Fernando Leão, a lei é mais do que necessária, por não haver, desde antes da pandemia, apoio governamental ao setor, e até por ser uma fonte de impostos: “Eu acho justo uma lei para o audiovisual. O cinema brasileiro, o que você investe nele, você retorna, sei lá, cinco vezes mais. O retorno do cinema é muito grande, mas o cinema nacional não tem incentivo nenhum”. Apesar de não ter sido aprovada pelo atual presidente da república, seu veto ainda pode ser derrubado pelo Congresso.

Como é que a gente vai viver da nossa profissão se não forem esses eventos acontecendo, se não forem essas leis acontecendo para movimentar o mercado? Não tem como. Não vive

Para Fernando e Izabel o problema de aceitação, pela população em geral, destas leis de auxílio está na dimensão do setor cultural, pois muitas pessoas não entendem a quantidade de empregos que ele gera. “A Netflix que você tá vendo tem atores, diretores e roteiristas. Um espetáculo de teatro tem a parte técnica, a galera que fica na luz, a galera que fica no som, o contrarregra. Alguém desenhou a roupa que você veste, alguém fez o filme e a série que você vê, o livro que você lê, a música que você escuta”, diz Fernando. Enquanto isso, Izabel ainda ressalta a importância de eventos culturais, já que eles também já tiraram renda de eventos como Rock In Rio, Olimpíadas e até do Carnaval. “O Carnaval também é uma arte. E a gente vê pessoas falando que podem viver sem ele. Mas ela já perguntou pra pessoa que trabalha no barracão se ela pode viver sem Carnaval? É um ano de emprego!”, declara a atriz e cantora.

As dificuldades de grupos pequenos e artistas independentes na favela

Apesar de editais e leis de auxílio terem ajudado bastante durante a pandemia, algumas ressalvas foram feitas. Para Vanessa Greff as exigências no CNPJ e a burocracia para participar de editais dificultou o processo para muitos artistas. “Fizemos toda a prestação de contas em relatório, em forma de extrato bancário, recibo, nota fiscal, e muitos dos artistas não têm nota fiscal. Então a dificuldade maior foi essas burocracias para uma lei de emergência”. Quem concorda com isso é Izabel Camargo, que encontrou dificuldade em editais como o Retomada Cultural: “Eu paro pra pensar que emergencial é esse, porque existem companhias como as nossas que a gente fazia parte, que são companhias pequenas, com pouco tempo de trabalho. Existem artistas independentes, como eu e Fernando, que trabalham por conta própria. Esses editais, as seleções chegam dificilmente nas companhias pequenas e pior ainda em mim e no Fernando que somos individuais”.

Enquanto o Entre Lugares, com a adaptação do modelo virtual, se viu com uma queda considerável de alunos por conta da internet instável da favela, Fernando e Izabel perderam bolsas de estudo e diversos trabalhos, como o comercial que Fernando estava para gravar. Para Izabel, que vive da arte e de eventos desde os 19 anos, o jeito foi buscar alternativas e, durante os dois anos de pandemia, ela e Fernando chegaram a trabalhar vendendo contação de histórias para escolas, trabalharam com vídeos motivacionais no aplicativo Kwaii e até venderam caixas de festa junina com comidas típicas. Porém, assim como o Entre Lugares seguiu em frente e conseguiu apresentar 10 cenas durante o festival no formato virtual, Izabel e Fernando se mantiveram na arte e lançaram uma música chamada “Livre pra Voar”, no canal do Youtube do Compostella, um duo de música pop composto por eles.

Capa do single “Livre pra Voar” do duo Compostella. Foto: Paulo Barros.

De forma geral, apesar do futuro das leis de auxílio Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo ainda ser incerto, a espera por mais incentivo no setor cultural é grande. De acordo com Vanessa Greff, independente das dificuldades anteriores, os artistas terão mais facilidade com os editais depois de terem visto como funcionou a Aldir Blanc em 2020 e o edital da Retomada Cultural. “acho que deu tempo dos grupos se prepararem e entenderem um pouco melhor o que o edital exige. E aí eles vão vir um pouco mais afinados para isso”.

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