Inaugurada a Casa Resistências para lésbicas na Vila dos Pinheiros

Cultura, Notícias

Por Carolina Vaz

No último sábado (02), a coletiva Resistência Lésbica da Maré deu um importante passo em sua trajetória: inaugurou seu espaço de acolhimento para mulheres lésbicas, a Casa Resistências, na Vila dos Pinheiros, favela da Maré. O evento reuniu dezenas de pessoas que admiram o trabalho da coletiva e foram conferir esse novo espaço que será não apenas um lar para lésbicas expulsas de casa, como também uma sede para a cultura mareense em geral.

A casa, que fica num sobrado em cima do Bar das Minas, conta com uma sala de estar, banheiro, laje com cozinha e área de lazer, e um quarto que irá acolher as meninas e mulheres que chegarem, e que no dia no evento estava destinado à recreação de crianças. A inauguração, realizada na laje com vista para o Pinheiro, teve início com uma mesa de abertura, contando com as Pedras Fundamentais do espaço: Camila Felippe, coordenadora de Segurança Alimentar; Flavinha Cândido, educadora e representante da mandata Renata Souza; Iazana Guizzo, arquiteta representante do projeto de extensão Floresta Cidade, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Beatriz Adura, psicóloga e responsável pelo acolhimento; Dayana Gusmão, fundadora da coletiva e idealizadora da Casa; e Mãe Lenira D’Oxum, matriarca da Casa. Teve mediação de Paloma Martins, membra da Coletiva.

As mulheres presentes na mesa falaram sobre a importância de se criar um espaço como esse, exatamente na Maré, com uma perspectiva inédita, pois não se trata de um abrigo para cuidado individual, mas sim coletivo. O trabalho de cuidado da Resistência Lésbica vem de anos, desde 2016, como foi lembrado por Flavinha Cândido e por Camila Felippe, a qual destacou o quanto tudo é mais difícil para a mulher preta e favelada. Flavinha explicou que esse exato espaço, agora reformado e transformado para o acolhimento de lésbicas, é onde já morou um amigo seu, que foi assassinado. E o fato não torna o lugar descartável, pelo contrário. “A gente ocupa esses lugares para isso: para fazer a diferença”, afirmou.

Dayana Gusmão e Mãe Lenira d’Oxum; idealizadora e matriarca da Casa. Foto: Samantha Su.

Dayana Gusmão, a principal responsável pela materialização da casa, contou sobre o exato momento em que surgiu a ideia de criar o espaço, numa conversa entre ela e Flavinha, exatamente naquela esquina, após ela comentar que a coletiva tinha muita demanda de meninas expulsas de casa durante a pandemia e não tinha como acolher. Desde essa conversa, passaram-se seis meses, e a Casa Resistências foi reformada, em diversos sentidos, e agora está aberta. “Está aberto, a casa está sendo inaugurada hoje. É o primeiro passo. Eu não me sinto a inauguradora de nada, eu acho que alguém caminhou muito pra eu chegar até aqui, muitas mulheres pavimentaram esse caminho para mim, e eu pretendo ser a pessoa a pavimentar o caminho das outras que vêm”, afirmou Dayana. Ela destacou, ainda, que todas da “pedra fundamental” fizeram muito pelo espaço, e que a Casa não será apenas voltada para o acolhimento de lésbicas, mas um espaço de cultura mareense. Outro ponto importante destacado por Gusmão é que, inclusive em virtude do passado, a Casa é um espaço espiritualizado, que está sendo cuidado pela Mãe Lenira d’Oxum, o que delimita as práticas possíveis em cada parte da casa.

Monica Benício relatou a experiência de ter sido lésbica na Maré há mais de 15 anos: “Esse espaço era inimaginável”. Foto: Samantha Su.

O evento contou, ainda, com a participação de representantes de mandatas que apoiam a Casa, como das deputadas Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro, do PSOL, além da coordenadora da Casa Preta da Maré, Fernanda Viana. Teve ainda a presença da vereadora Monica Benício, mareense, que falou sobre a experiência de ter sido uma mulher lésbica na Maré por volta do ano 2005, quando já se relacionava com Marielle Franco. “Um espaço como esse era inimaginável”, afirmou. Ela ainda destacou outros movimentos que abriram caminho antes, como o Curso Pré-vestibular (CPV-CEASM), onde estudou e que possibilitou sua graduação. Monica Benício entregou à equipe da Casa Resistências uma Moção de Congratulações e Aplausos à Coletiva Resistência Lésbica da Maré, da Câmara dos Vereadores, que ficará na casa.

Membras da coletiva recebem a moção da Câmara dos Vereadores. Foto: Samantha Su.

Como vai funcionar

A Casa Resistências será destinada a acolher lésbicas faveladas que tenham sido expulsas de casa por lesbofobia. Será um espaço de acolhimento e que vai garantir a segurança alimentar dessas meninas e mulheres, mas não será um confinamento, pois a equipe trabalha numa perspectiva antimanicomial. O quarto terá três beliches, então serão seis meninas ou mulheres de cada vez, e a ideia é que elas fiquem por até três meses na casa. Essa é a meta, mas cada caso será um caso, a depender da rede de apoio que cada uma tem. Cada menina que chegar vai receber um primeiro acolhimento com uma psicóloga e uma psicodramatista. A partir daí será criado um mapa de resistência das meninas acolhidas, que será baseado na circulação delas pelo território, inclusive acessando serviços de saúde, e no cuidado coletivo que será criado a partir de todas essas interações. A rotina das meninas acolhidas vai passar, toda semana, por grupos de acolhimento internos, que vão trabalhar na metodologia do psicodrama, e um outro momento de interações com outras lésbicas da favela, para além das que morarem na Casa. Tudo isso faz parte do cuidado coletivo que se pretende ter no espaço, abandonando a ideia de que o cuidado é individual e desconectado do território. Segundo Beatriz Adura, as meninas serão “aterradas” na Maré. Além de todas as atividades já previstas, a Casa será um espaço para receber outros eventos de cultura mareense, de outros projetos, sendo voltada para a sociabilidade em geral.

Sala de estar da casa para reuniões e socialização. Foto: Carolina Vaz.
O quarto receberá beliches para que possa acomodar até seis meninas de cada vez. Foto: Carolina Vaz

A coletiva e os dados das lésbicas mareenses

A coletiva Resistência Lésbica da Maré existe desde 2016, e um de seus trabalhos mais marcantes foi o Mapeamento Sócio-cultural-afetivo das Lésbicas e Mulheres Bissexuais do Complexo da Maré, feito no ano de 2020. A pesquisa revelou a ocorrência de diversos casos de agressão contra lésbicas no território, e um dos pontos de atenção é que as agressões ocorrem mais dentro de casa, no contexto familiar, do que fora dela. Durante a pandemia, o grupo foi ainda mais incisivo em sua atenção fazendo a assistência das mulheres que a coletiva acompanhava, que era cerca de 120 no ano de 2021, através de cestas básicas, vale-gás, chip para celular e acesso a benefícios do governo. Além disso, houve criação de um grupo terapêutico, fazendo a diferença na saúde mental de muitas mulheres.

Arrecadação para se manter

Com todos esses projetos, a coletiva mantém uma Vakinha, que foi fundamental para arrecadar o suficiente para fazer a obra, equipar a casa e viabilizar a inauguração. Agora, é necessário manter essa arrecadação para que seja possível ter, permanentemente, seis pessoas morando nela, além dos serviços como de psicólogas e enfermeiras. Qualquer pessoa pode doar, sem um valor mínimo, podendo utilizar cartão de crédito, boleto ou PIX. É muito importante para manter de pé esse projeto inédito que pode salvar as vidas de lésbicas faveladas.

Para acompanhar o trabalho da Resistência Lésbica de Favelas é possível acessar o Instagram ou Facebook.

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