Ato no centro do Rio cobra justiça por vítimas da polícia

Geral, Segurança

Pesquisa: Raysa Castro

Entrevista: Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz

Texto: Carolina Vaz

Os recentes assassinatos de Thiago Flausino, adolescente de 13 anos que morava na Cidade de Deus, e Mãe Bernadete, mãe de santo de Simões Filho (BA), foram alguns dos que motivaram atos em mais de 30 cidades do país pelo fim da violência policial e de Estado na última quinta-feira (24). No Rio de Janeiro, o ato se iniciou na Candelária, centro da cidade, e no seu trajeto até o Buraco do Lume, na Carioca, reuniu centenas de pessoas.

O protesto reuniu movimentos diversos, com suas bandeiras e faixas, assim como pessoas que levavam cartazes com frases de protesto e homenagens a vítimas da violência do Estado. Ainda na concentração, uma das primeiras falas foi de representante da Coalizão Negra por Direitos, organização em prol do movimento negro no Brasil, que apresentou as medidas a serem tomadas para que tenham fim os processos de frequente assassinato de negros e negras pela polícia e do encarceramento em massa e desrespeito com as famílias que perdem seus filhos para essa violência. Algumas das exigências foram a devida identificação e punição dos policiais responsáveis pelas mortes; a obrigatoriedade de uso de câmeras nos uniformes dos policiais, inclusive em operações nas favelas; e fim do reconhecimento fotográfico em investigações, principalmente utilizando redes sociais, o que tem levado a prisões errôneas.

Multidão ocupou a Avenida Rio Branco exigindo mudanças na estrutura e funcionamento das polícias e prestando homenagens às vidas perdidas. Foto: Raysa Castro.

A Coalizão apontou, ainda, medidas mais amplas para a garantia de vida digna para a população mais pobre: desmilitarização da polícia; inclusão dos moradores na construção de políticas públicas para as favelas; anulação de reformas e políticas que nos últimos anos tiraram direitos dos trabalhadores, causando precarização e terceirização. Por fim, o coletivo denunciou que são muito lentas as investigações dos assassinatos em ação policial, e afirmaram que “se algumas investigações avançam é porque os familiares, em especial as mães, têm que viver seu luto em luta, sendo na maioria dos casos responsáveis pela investigação”.

Justiça por crianças, adolescentes e jovens assassinados

O ato contou com a fala de numerosas mães que perderam seus filhos para ações policiais, como a própria Priscila Menezes, mãe do Thiago Flausino. Ela falou sobre a dor de, além de lidar com a perda do filho, ter que provar que ele não era suspeito nem culpado de nada. “Era uma criança alegre, educada, não é nada do que eles querem inventar sobre o meu filho. (…) A gente precisa mostrar que a favela não é só lugar de bandido”, afirmou, enfatizando que luta pelo afastamento e punição dos agentes envolvidos no caso.

Mulheres negras ocuparam a primeira fileira do ato, levando mensagens de justiça e fim da violência policial. Foto: Raysa Castro.

Bruna da Silva, mãe do Marcos Vinícius, morto aos 14 anos na Vila dos Pinheiros em 2018, também fez sua fala, mandando seu recado diretamente para o governador do estado que promove e comemora as operações policiais: “A gente está aqui pra dizer, Cláudio Castro, que você está querendo dar de presente pros agentes do Estado 5 mil reais por cada fuzil apreendido. A gente gostaria de dizer, Cláudio Castro, que você poderia pegar esse dinheiro e dar pra cada educador que está dentro da escola. Você poderia pegar esse dinheiro e investir na saúde pública”.

A mareense Bruna da Silva perdeu seu filho há 5 anos e hoje compõe o movimento de mães que pedem justiça pelos filhos perdidos para o Estado. Foto: Raysa Castro.

O protagonismo das mulheres negras nessa luta, não só para evitar novas mortes arbitrárias mas também em prol de justiça pelos que se foram, foi o destaque de algumas falas como de Ana Paula Oliveira, do movimento Mães de Manguinhos, e Mônica Cunha, vereadora e fundadora do Movimento Moleque. Ana Paula Oliveira demarcou sua trajetória de nove anos nessa luta, e pediu que mais grupos se somem, fazendo o movimento crescer e cobrar mais respostas do Estado, principalmente quanto à punição dos policiais e responsabilização do governador e do prefeito. A motivação por mais união e mais atos como o do último dia 24 foi o foco da fala também de Mônica Cunha, que reiterou que não se pode mais ficar só lendo as notícias; é preciso fazer número nas ruas, fazer atos em frente ao palácio do governo, a cada vez que mais um for morto pela polícia: “A gente não aguenta mais, não dá mais pra isso acontecer, não dá mais pra gente contar os corpos dos nossos filhos, dos nossos homens pretos. (…) A gente tem que vir pra rua toda vez que matarem os nossos homens pretos”.

O combate ao racismo estrutural e fim da intolerância religiosa também foram reivindicações no ato, com falas do povo de axé. Foto: Raysa Castro.
Parlamentares lutam pela execução de leis

O ato também contou com a presença de deputadas que, desde o início da vida política, lutam em prol dos familiares de vítimas da violência e contra as ações do Estado que matam pretos e pobres. Uma delas foi Dani Monteiro, deputada estadual pelo PSOL e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Ela contou da rotina de receber na comissão, diariamente, familiares de vítimas da violência policial, que sofrem ainda mais por não serem procurados pelo governo do Estado para receber reparação e por serem desrespeitados ao passarem pelo Instituto Médico Legal. A deputada ainda denunciou a incoerência do governo em nova medida que deseja premiar os policiais que apreendem armas, enquanto nega auxílios para as famílias mais vulneráveis: “Hoje Cláudio Castro retoma a chamada gratificação faroeste: se um policial devolver uma arma apreendida vai ganhar 5 mil reais. É o mesmo governador que acabou com o auxílio do Supera Rio porque disse que não tinha dinheiro para pagar, não tem dinheiro pra dar 400 reais na mão de uma família mas tem 5 mil pra dar na mão do policial. Isso é inadmissível”.

Renata Souza, também deputada na ALERJ, em entrevista ao Jornal O Cidadão, mencionou a Lei Ágatha Félix, que obriga a prioridade de investigação em casos de assassinatos de crianças e adolescentes mas é ignorada. Ela comentou a dimensão do ato e sua relevância ao mobilizar tantas pessoas.

“O que a gente tem aqui hoje é uma demonstração da insatisfação da nossa população com relação à segurança pública. O Rio de Janeiro em específico tem chacinas quase que cotidianamente, e a gente tem um aumento significativo no assassinato de crianças e adolescentes. (…) As pessoas, o movimento negro vindo para a rua, demonstra que a gente tem sim força de reivindicar uma segurança pública que tenha respeito à vida e à dignidade humana”.

Renata Souza, deputada estadual
Renata Souza, deputada estadual mareense, também marcou presença no ato do dia 24. Foto: Raysa Castro.

Fizeram-se presentes no ato movimentos e coletivos como o Movimento Negro Unificado (MNU), UNEGRO, Mâes da Maré, Mâes de Manguinhos, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Levante Popular da Juventude, Frente Favela Brasil, Movimento Luta de Classes, Movimento Negro Perifa Zumbi, Fórum de Mulheres Negras de Niterói, Central Sindical e Popular Conlutas, além de partidos como PSOL, PcdoB e PSTU.

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