Operações policiais, crise existencial e memória são temas abordados na segunda edição do Coalizões Audiovisuais

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Texto e fotos por Ana Cristina da Silva

Na segunda edição do Coalizões Audiovisuais, iniciativa da Baluarte Cultura, 3 projetos foram contemplados. Após receberem uma quantia em dinheiro e passarem por um período de mentoria com profissionais do audiovisual, os selecionados entregaram três curtas finalizados: Educação na Mira, gravado na Maré; Minha Vida é uma Série, produzido na Baixada Fluminense; e Pequena Profecia do Tempo, feito na Rocinha. Os curtas foram exibidos pela primeira vez de forma gratuita em uma das salas da Estação Net Botafogo, na última terça-feira (06).

Após a retirada dos ingressos na bilheteria, o público se direcionou para a sala 1. Antes das exibições, a diretora de produção da Baluarte Cultura, Paula Suede, e a idealizadora e diretora artística do Coalizões, Lia Bahia falaram sobre a iniciativa. Segundo Lia, esta edição do Coalizões contou com 78 inscritos e 11 defesas orais. “A gente teve um público muito jovem, 73% das pessoas tinham entre 20 e 30 anos. 92% com renda familiar de até 3 salários mínimos e 70% de pessoas pretas, pardas ou indígenas. Então é um panorama bastante diferente do que a gente percebe nos editais que rolam por aí”, completou.

Paula Suede, idealizadora e diretora artística da Baluarte Cultura deu início ao evento. Foto: Ana Cristina.

Educação na Mira

Com a apresentação rápida das equipes e elenco de cada curta, as exibições tiveram início. O primeiro a ser exibido trouxe bastante impacto ao falar sobre as consequências das operações policiais no Conjunto de Favelas da Maré. Intitulado Educação na Mira, o curta foi dirigido pelo videomaker Rapha Silva e o comediante Diogo Santos, sendo este último morador da Maré. Como um documentário de denúncia, o curta traz cenários da favela e tem como foco as entrevistas realizadas com Estefany Felinto, uma mãe solo de três filhas, e também com Yvonne Bezerra de Mello, diretora do Projeto Uerê, localizado na rua Tancredo Neves, próximo à Vila Olímpica da Maré.

 As falas de Yvone geram impacto ao apresentar a realidade que a grande mídia muitas das vezes esconde. Ela fala sobre como foi preciso, por inúmeras vezes, fazer com que todas as crianças se deitassem no chão para se protegerem do tiroteio durante operações policiais, operações estas que tendem a acontecer sempre em horário escolar. A diretora ainda ressalta os graves impactos na saúde mental destas crianças. Durante o documentário ela cita transtornos como ansiedade, amnésia dissociativa e transtorno do pânico, onde todos podem ser desencadeados após um evento traumático ou estressante.

Educação na Mira foi o primeiro curta exibido da noite. Foto: Ana Cristina da Silva,

As operações policiais na favela da Maré

A escolha do tema se mostra assertiva, tendo em vista que cada vez mais vem sendo preciso discutir sobre a segurança pública. Diogo declara que as gravações do curta sofreram dificuldades devido ao grande número de operações policiais que vinham acontecendo de maneira repentina na Maré. “O filme foi adiado por várias vezes porque era isso, eles não estavam avisando quando que ia ter operação. Por exemplo, tá marcado pra filmar terça-feira, eu acordava na terça-feira e tava tendo operação. Falava ‘Ó Rapha, tá tendo operação, não vem ninguém. Vou fazer outro dia’”.

No dia 6 de fevereiro o curta Educação na Mira foi exibido pela primeira vez denunciando as ações violentas do Estado e mostrando o quanto a educação é impactada dentro da comunidade da Maré. Nos dias 7 e 8 aconteceram operações policiais na favela, ambas em horário escolar. O resultado? Uma primeira semana de aula transtornada para as crianças e adolescentes da comunidade, fechamento de unidades de saúde, um jovem de 22 anos morto por um policial militar com um tiro à queima-roupa, 2 moradores feridos e um medo excessivo perambulando pelas ruas da Maré.

“A gente quer que o filme circule por onde possa ser possível, quanto mais ele for exibido melhor, né. Pro pessoal ver a realidade, as coisas que estão acontecendo dentro da Maré. Que chegue nas autoridades e que sirva também para que possam rever um pouco tudo isso, o que eu acho difícil. Mas quem sabe eles consigam ver que não é desse jeito que é pra ser feito política pública”.

— Diogo Santos

O diretor do documentário, Diogo Santos, é morador da Baixa do Sapateiro. Foto: Ana Cristina da Silva.

Minha Vida é uma Série

A segunda exibição da noite foi a comédia “Minha Vida é uma Série”, escrita e dirigida pela atriz Taisa Alves. Abordando o desemprego e relacionamentos, o curta se desenvolve a partir da história da personagem Estephanie (interpretada por Taisa) que após passar por uma crise existencial acredita que sua vida é uma série de comédia televisionada.

Formada em Artes Cênicas pela Universidade Federal Do Estado Do Rio De Janeiro (UNIRIO) em 2019, Taisa logo se viu com um diploma em mãos tendo que lidar com o alto índice de desemprego no país. Usando sua vivência como inspiração, a moradora da Baixada Fluminense se dedica a transformar essas problemáticas do país em pauta. “A maioria das histórias que eu escrevo hoje em dia sempre tem essa questão do emprego, porque… como tudo tá ficando mais caro, mais difícil. Remédio é caro, saúde é caro, passagem de ônibus é caro, tudo é caro. Quando você tá desempregado realmente vai criando uma ansiedade, um desespero, os boletos chegando. Sempre que eu escrevo um personagem ele sempre tá desempregado”, contou durante o evento.

Gravado em Nova Iguaçu, o curta foi inspirado em muitas séries como: Fleabag, How I Met Your Mother, Todo Mundo Odeia o Chris e até mesmo Sai de Baixo. “Eu pensei como seria essa personagem se ela descobrisse que estava numa série, sabe? E aí eu acho que é ter esse medo do tipo ‘tá, minha vida é uma série, já aceitei isso, mas e se ela for cancelada? Se acabar? O que eu tenho que fazer?’. Eu acho que eu ia tentar buscar todos os estímulos de séries com mulheres protagonistas e negras e tentar mergulhar nisso pra manter a série no ar”, explica Taisa Alves.

Após as exibições, Gê Vasconcelos discutiu sobre os curtas com a equipe de cada produção. Foto: Ana Cristina da Silva.

Fechando a noite, o curta “Pequena Profecia do Tempo”, dirigido por Jay Preto e Marcos Vinicius de Souza, conta a história de dois moradores da Rocinha que cultivam uma amizade de 70 anos. O documentário trabalha com entrevistas onde os dois amigos, Fernando e Zé Carlos, relembram seus momentos na favela da Rocinha. Para os diretores do curta, um dos principais objetivos da produção é a preservação da memória não só da favela, mas também a de seus moradores.

Patrocinado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e Ancar Ivanhoe, o Coalizões Audiovisuais 2023 contemplou cada equipe com um valor de R$ 18 mil para a produção dos curtas. Fornecendo também laboratórios com um total de 76h onde puderam aprender sobre roteiro, produção, direção, som, circulação, montagem, fotografia e Pós-produção.

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