Semana Étnico-racial mobiliza estudantes do Colégio Bahia na educação antirracista

Educação, Notícias

Por Carolina Vaz

Foto de capa: Raysa Castro

Com o início do mês de Novembro, começa a surgir uma série de eventos com alusão ao 20 de Novembro: Dia da Consciência Negra. Um deles, que aconteceu esta semana pela terceira vez na Maré, é o “Projeto étnico-racial: valorizando as contribuições dos povos negros e dos povos indígenas”, do Colégio Estadual Bahia, no qual a semana toda é voltada para atividades temáticas nas turmas de primeiro, segundo e terceiro anos do Ensino Médio.

Criado pela coordenadora pedagógica Angela Santos em 2021, o Projeto leva para a escola professores, militantes, coletivos e instituições convidadas para fornecer as atividades aos alunos, assim como alguns dos próprios professores da escola. São rodas de conversa de temas como história das favelas; história da Abolição Inconclusa em samba-enredo; saberes tradicionais e plantas medicinais. Também são executadas oficinas que estimulam a participação dos alunos, como máscaras africanas e produção de lambe-lambe. Na última terça-feira (7) uma das atividades foi a roda de conversa “Afetos e memórias da Maré através dos objetos”, com a equipe do Educativo do Museu da Maré, na qual os alunos puderam conhecer um pouco do trabalho e do acervo do Museu e reproduzir em stêncil imagens de mulheres negras de destaque.

Alunos produziram imagens em stêncil a partir dos moldes do Museu. Foto: Raysa Castro

A Semana Étnico-racial é um projeto que executa as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, leis de âmbito federal que determinam a obrigatoriedade de ensino, nas escolas, das histórias e culturas afrobrasileira, africana e indígena. O projeto aplicado no Colégio Bahia atinge, no total, 16 turmas e, em cada dia, cada turma recebe duas atividades diferentes. Ao longo da semana passam de 60 atividades realizadas, o que significa uma grande mobilização de pessoas que são ou tornam-se, ali, educadores. Vários dos momentos da semana foram registrados no Instagram da escola.

Oficina: desconstrução de expressões racistas

Uma das turmas que executou uma oficina foi a 2004, turma do segundo ano. O professor Alex Santana, docente do Bahia na disciplina de Português, realizou a oficina “Desconstrução de expressões racistas que estão arraigadas em nosso cotidiano”, na qual cada aluno recebia uma frase ou palavra racista como “feito nas coxas” ou “a coisa tá preta”. Eles tinham que buscar, entre papéis recortados e embaralhados, o significado de cada expressão, o motivo de por que não se deve usar, e como se pode substituí-la. Além de estimular o raciocínio e a leitura, a atividade fez com que os colegas se ajudassem. No final, todas as expressões seriam coladas a um cartaz mostrando por que não usá-las.

Papéis embaralhados continham os significados das expressões recebidas. Foto: Raysa Castro.

Para a aluna Julia Maria, a parte mais legal da atividade foi procurar os papéis, interpretando e descartando os errados. A expressão que ela pegou, “inveja branca”, Julia não conhecia, mas na hora perguntou, entendeu, e pôde buscar as respostas. Ela considerou a atividade importante: “Eu acho que falar essas coisas não é legal, e mais pessoas deveriam saber”. O professor Alex se sentiu motivado a fazer a oficina não apenas pela temática da semana, como também porque já viu o uso de termos racistas criar conflitos: “É uma coisa que às vezes é estopim [de conflito], porque outra pessoa às vezes percebe o significado daquela expressão e fala ‘não, não é bem assim'”. Para ele, é uma oportunidade para conscientizar os alunos e possibilitar que eles possam educar mais pessoas com esse conhecimento. “E não continuar esse processo racista, que é estrutural”, destaca.

Professor utilizou material de vocabulário antirracista para aplicar a atividade. Foto: Raysa Castro.
Améfrica em colagens

Quem também motivou os alunos do Colégio Bahia a “colocar a mão na massa” foi a Ellen Miranda de Oliveira, graduanda em Letras pela UERJ e educadora no pré-vestibular social NICA, no Jacarezinho. Ela conduziu a oficina de poesia e colagem “O que há de Améfrica em nós: expressões literárias africanas e afro-brasileiras” na turma de primeiro ano 1001. Utilizando o conceito Améfrica de Lélia Gonzales, ela iniciou sua oficina incentivando os alunos a comentarem o que havia de semelhança entre América e África. Comentou sobre a língua portuguesa, o processo de escravização e suas consequências até os dias atuais. Depois, Ellen distribuiu para os grupos de alunos livros com imagens para recortar e poesias, para que eles utilizassem trechos das poesias e recortes dos livros para criar uma nova poesia e uma colagem que dialogasse com Améfrica. Foram poesias como Vozes Mulheres, de Conceição Evaristo.

Ellen de Oliveira levou conceito de Lélia Gonzales para alunos do 1º ano. Foto: Raysa Castro

Para elaborar a atividade, ela planejou um conteúdo que eles já conhecessem – como é o caso de colonização – e focou no que pudesse ser pratico. “Os alunos estão muito acostumados com as aulas pragmáticas, em que eles escutam, anotam, fazem prova e tudo mais. E nessa atividade onde eles podem refletir sobre poesia, entender o conceito de Améfrica e fazer essa junção de forma manual, eu acho que a atividade lúdica fixa mais os conceitos”. O grupo da aluna Andrezza Tavares, de 15 anos, decidiu utilizar imagens do Rio de Janeiro e falar sobre amor. Para ela, mostrar o Rio é falar de Améfrica: “Porque antes mesmo de a gente estar aqui eram os escravos, os indígenas… hoje não é muito como antigamente mas tem coisas parecidas”.

Andrezza (centro) e colegas decidiram mostrar o Rio na colagem. Foto: Raysa Castro.
Uma semana para a troca educativa

Mobilizar uma escola inteira, 16 turmas e dezenas de convidados, para um projeto desse porte, não é fácil, mas para a coordenadora pedagógica AngelaSantos, vale a pena. Segundo ela, a primeira edição foi em 2021: “A gente estava voltando da pandemia e eu pensei em fazer alguma coisa que fosse acolhimento, afeto, troca… porque a falta de socialização durante a pandemia foi uma grande questão. Eles voltaram pra escola com diversos problemas de ouvir, de se relacionar, de se sentirem acolhidos”, conta. A ideia, então, de trazer pessoas de fora tinha a ver com mobilizar essa troca. No primeiro ano, aconteceu em 4 dias, e ela mobilizou quem conhecia. No segundo ano, 2022, outros professores se envolveram mais, e até formaram duplas e trios propondo atividades. Desta vez, o quadro de participantes foi composto metade por professores, metade por convidados de fora.

Na oficina de lambe-lambe alunos puderam juntar imagens a frases para se expressar. Foto: Raysa Castro.

Nesse tempo, também, os alunos foram se acostumando a ter essa semana “diferente” na escola. Diferente do habitual: assistir a aula, copiar do quadro e executar provas e tarefas. Na semana étnico-racial a escola “para” suas atividades do dia-a-dia em prol dessas atividades, que precisam ser pensadas para serem dinâmicas e proporem trabalhos práticos. Para a coordenadora pedagógica, com menor ou maior envolvimento com a programação, todo mundo sai impactado da Semana Étnico-racial.

Foto: Raysa Castro.

“Eu tenho certeza que de alguma forma a Semana como um todo impacta os estudantes, os pais, os professores, porque a escola vira outra escola. Uma escola viva, uma escola barulhenta mesmo, uma escola que é dentro de casa mas é fora, uma escola que produz… tem um monte de cartaz, trabalhos. É uma escola diferente”.

Angela Santos, coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Bahia
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